Integrantes do Conselho após a cerimônia de posse, em outubro de 2022. Foto: Edson Holanda/PCR
Integrantes do Conselho após a cerimônia de posse, em outubro de 2022. Foto: Edson Holanda/PCR
política

Falta de orçamento limita atuação do Conselho LGBTI+ do Recife

Conselho foi aprovado pela Câmara de Vereadores em maio de 2022 e instituído em outubro

Em abril de 2022, ao enviar à Câmara de Vereadores o projeto de lei para criação do Conselho Municipal de Políticas Públicas para a População LGBTI+ do Recife, o prefeito João Campos (PSB) defendeu que aquela ação reafirmava “o compromisso com o desenvolvimento social, com a redução das desigualdades e com a defesa dos direitos humanos”. “Canal efetivo de participação”, como Campos definiu, o Conselho foi aprovado pelos parlamentares dois meses depois, com 25 votos a nove.

Formado por 20 membros titulares, sendo dez representantes do poder público municipal e dez da sociedade civil organizada, o Conselho tem papel de propor, deliberar e monitorar a implementação de políticas públicas de interesse da população LGBTQIA+ na cidade. Apesar da conquista histórica para os recifenses, um ano após sua implementação, o órgão está com a atuação limitada pela falta de orçamento próprio, como afirmam militantes. 

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A expectativa do movimento LGBTQIA+ era de que a gestão de Campos criasse um fundo orçamentário para custear as atividades do Conselho. Ele poderia, por exemplo, receber os recursos provenientes da aplicação de multas a estabelecimentos que cometem LGBTfobia no município, além de doações de empresas privadas, mas isso nunca ocorreu. A Diadorim perguntou à Prefeitura se ela pretende criar esse fundo, mas não houve resposta. 

Em maio do ano passado, Cida Pedrosa (PCdoB) chegou a propor a criação de um Fundo Municipal de Políticas LGBTI+. De acordo com a vereadora, a ideia era “promover autonomia para a política”, no entanto, a emenda foi vetada pela Prefeitura por ser inconstitucional, pois questões orçamentárias são da competência do Executivo.

Sem verba, o Conselho funciona a partir do trabalho voluntário dos militantes da causa. “Não temos financiamento nem para custear deslocamento e alimentação dos conselheiros e das conselheiras que vão para as reuniões”, diz Lucas Lira, eleito coordenador secretário do Conselho Municipal de Políticas Públicas para a População LGBTI+ de Recife para o biênio 2022-2024.

Há ainda problemas estruturais que dificultam o funcionamento pleno do órgão. Desde outubro do ano passado, as reuniões do Conselho têm acontecido no Centro de Referência LGBTI+, de acordo com a disponibilidade do espaço. “O Conselho não tem uma sala própria, com um servidor próprio, que ali consiga desenvolver suas atividades e estar à disposição do Conselho”, afirma Lira.

Outro entrave citado pelo conselheiro é que a Prefeitura não entende as peculiaridades do segmento e não elaborou uma lei consistente e verdadeiramente inclusiva. Para se candidatar a membro do Conselho como representante da sociedade civil, é obrigatório ter um CNPJ, o que é fora da realidade de grande parte das organizações locais. 

“A história de Pernambuco e a realidade do Recife mostram que muitas entidades, principalmente do movimento LGBT, não são formalmente constituídas, não têm CNPJ, porque não têm recursos, nem por emenda, e não é vantajoso para elas gerar encargo financeiro”, explica Lira. Por isso, ele acredita que a primeira gestão do organismo tem “baixa representatividade”. 

Apesar das dificuldades, o conselheiro reconhece que houve avanço. “O Conselho ainda é embrionário, está se firmando e se fortalecendo — e já como produto desse primeiro mandato, a gente conseguiu deliberar a criação de um edital, a ser concorrido pela sociedade como um todo, para o desenvolvimento de trabalhos voltados para a empregabilidade de pessoas trans”, adianta.

O edital será financiado com recursos de emenda parlamentar dos mandatos de Ivan Moraes (PSOL), Cida Pedrosa (PCdoB), Liana Cirne (PT) e Dani Portela (PSOL) e tem divulgação marcada para setembro de 2023.

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Aprovação histórica

Conselhos são mecanismos importantes para estreitar a relação entre poder público e sociedade civil, que por meio desses organismos participa ativamente da discussão de políticas públicas de seu interesse. 

Eles podem ser fiscalizadores (tendo a função de fiscalizar as contas públicas e emitir pareceres), deliberativos (podendo decidir sobre determinadas pautas), consultivos (sendo responsáveis por avaliar questões que lhes são apresentadas), normativos (reinterpretando normas vigentes ou criando novas) e/ou propositivos (propondo ações ao Executivo).

Na região Nordeste do Brasil, todas as capitais têm conselhos municipais LGBTQIA+ em funcionamento, com exceção de Aracaju (SE) e São Luís (MA) — na segunda tramita um projeto de lei para implementar a política.

Conselhos municipais LGBTQIA+ implementados em capitais nordestinas

Recife foi a sétima capital nordestina a conquistar a aprovação. A gestão de Geraldo Júlio (PSB) já havia proposto a criação do Conselho em 2013, porém, o projeto foi votado na Câmara de Vereadores em 2017 e caiu por 16 votos favoráveis e 13 contrários. Eram necessários no mínimo 20 votos para o pleito sair vencedor. 

Em 2022, Cida Pedrosa relembrou esse histórico ao discursar em plenário a favor da aprovação da matéria, convidando os demais parlamentares a repararem o que classificou como um “erro contra a cidadania LGBTQIA+”.

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“Nós lutamos muito para que o município do Recife tivesse um conselho de política pública para a população LGBT, porque a possibilidade de a sociedade discutir de forma par a par com o poder público sobre a política para esse segmento, já era uma luta e uma reivindicação do movimento há muito tempo”, fala a vereadora.

“Nós demoramos muito para ter um conselho que se debruce sobre as questões de políticas públicas da população LGBTQIA +”, avalia o vereador Ivan Moraes, que fez parte da primeira votação, em 2017, e agora representa a Câmara de Vereadores no órgão. “É uma oportunidade que se tem para que as políticas para esse segmento não sejam implementadas sem o aval e a participação desde o planejamento dos verdadeiros sujeitos do direito, que é a população LGBTQIA +.”

O parlamentar considera que, ao longo do primeiro ano desde a implementação do mecanismo, houve avanço no diálogo entre gestão e sociedade civil sobre a geração de emprego e renda para a população-alvo, e a fiscalização da Casa de Acolhimento lançada pela gestão de Campos no ano passado está em pauta. 

Mas a falta de orçamento próprio, sem dúvida, é uma fragilidade. “O Conselho da Criança e do Adolescente é um grande exemplo de como esse tipo de fundo funciona — ele daria mais força política para o Conselho, na medida em que esse Conselho deliberaria diretamente sobre o orçamento. É uma limitação, não deixa de ser, mas eu acredito que na equação final é preciso celebrar a existência desse Conselho e seguir lutando para que ele seja cada vez mais fortalecido.”

“Ele não quer associar a imagem dele à pauta LGBT”, diz membro do Conselho, se referindo ao prefeito João Campos (PSB)

Edson Holanda/PCR

Prefeito ausente

Para a presidente da Amotrans (Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco), Chopelly Santos, que também integra o Conselho LGBTI+ do Recife como coordenadora geral, o prefeito João Campos é produtivo, mas ausente. “João tem uma ação ativa, ele cuida da pauta LGBTQIA+. A única coisa que eu não considero positiva em João é ele não comparecer aos eventos. A gente sente muita falta do prefeito nas ações.”

Lucas Lira tem a mesma impressão de Chopelly. “João Campos é uma incógnita, no sentido de que a gente percebe que é uma gestão que pauta, mas ao mesmo tempo não se compromete”, afirma. 

Ativo nas redes sociais, onde divulga seu dia a dia e as ações de trabalho na Prefeitura, João Campos raramente usa o perfil para citar a população LGBTQIA+. De acordo com a verificação da reportagem, a última vez que ele fez menção ao 28 de junho como Dia do Orgulho, no Instagram, foi em 2021, seu primeiro ano como prefeito do Recife. Depois, nunca mais publicou sobre a data. 

No mesmo ano ele lamentou o assassinato de Roberta da Silva, uma mulher trans que teve 40% do corpo queimado no centro de Recife, nas redes sociais. Na ocasião, prometeu ampliar o atendimento a essa população, inaugurando uma Casa de Acolhimento LGBTI+ e batizando esse espaço com o nome da vítima de transfeminicídio.

O projeto saiu do papel em agosto do ano passado, tornando-se um dos poucos que funcionam com a mesma finalidade no Brasil. Apesar do pioneirismo, o prefeito não esteve na inauguração.

Segundo Lira, Campos nunca foi a uma Parada da Diversidade de Pernambuco, que ocorre sempre em setembro. No ano passado, após um hiato por conta da pandemia, a 22ª edição do evento recebeu cerca de 500 mil pessoas, mas, nas redes sociais, o socialista deu foco às sete mil pessoas atendidas pelo programa Recife Cuida naquele fim de semana. Nenhuma palavra sobre a multidão que lotou Boa Viagem em defesa da diversidade.

O prefeito não foi nem mesmo à posse do Conselho, em outubro de 2022. “Ele não quer associar a imagem dele à pauta LGBT. E foram políticas exitosas — a Casa de Acolhimento foi um avanço, mas ao mesmo tempo ele abriu mão desse capital político porque, segundo os corredores, não quer perder o voto da bancada conservadora”, diz.

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