Na última quarta-feira (13), o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que em casos de “união homoafetiva” entre duas mulheres e dupla maternidade, uma das mães terá o direito à licença-maternidade e a outra ao equivalente à licença-paternidade. Plenário do STF. Foto: Antonio Augusto/STF
Plenário do STF. Foto: Antonio Augusto/STF
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‘Lógica de homem e mulher’: STF garante a licença-maternidade a apenas uma das mães em união homoafetiva

Na última quarta-feira (13), o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que em casos de “união homoafetiva” entre duas mulheres e dupla maternidade, uma das mães terá o direito à licença-maternidade e a outra ao equivalente à licença-paternidade. 

O caso chegou à Corte após uma moradora de São Bernardo do Campo (SP) obter a licença-maternidade nas instâncias inferiores, enquanto a companheira, que engravidou e era autônoma, não teve o afastamento necessário reconhecido. A decisão do STF terá repercussão geral e deve balizar outros casos similares.

O relator do processo, ministro Luiz Fux, argumentou que, embora não apresentem alterações físicas em função da gravidez, as mães não-gestantes precisam arcar com as demais atribuições da parentalidade. Durante a sessão, o ministro ainda destacou que todos são iguais perante a lei, e a decisão visa ampliar o direito à licença.

“Revela-se um dever do Estado assegurar especial proteção ao vínculo maternal, independentemente da origem da filiação ou da configuração familiar”, disse.

Os casos de relações homoafetivas entre dois homens que compartilham a parentalidade também foram discutidos durante o julgamento do STF, mas permanecem sem definição, embora, em alguns casos, a justiça brasileira já tenha concedido o equivalente à licença-maternidade a um dos pais.

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Controvérsias

“A licença-maternidade e a licença-paternidade são institutos muito diferentes”, diz a advogada Miriam Olivia Knopik Ferraz, doutora em Direito. Ela explica que a licença-maternidade é de 120 dias e gera estabilidade desde a descoberta da gravidez até cinco meses após o parto, enquanto a licença paternidade é de apenas cinco dias e não é possível a demissão durante esse período. Depois, não há garantias.

Na visão de Ferraz, a decisão do Supremo Tribunal Federal deixa uma série de lacunas. “A larga diferença entre o tempo de licença-maternidade e paternidade é algo muito problemático. O fato de se impor uma lógica de homem e mulher para uma relação homoafetiva reforça diversos estereótipos que não contribuem para os reais objetivos desse instituto, que é justamente o melhor interesse da criança e a recuperação, no caso da pessoa que passou pelo estado gravídico”, defende.

Como resultado do julgamento, “o casal terá que escolher quem terá os direitos de pai e mãe reconhecidos, o que vai contra a natureza dessas relações e desconsidera a identidade de gênero das pessoas envolvidas”, argumenta a advogada.

“Hoje nós vivemos, no Brasil, debates muito mais profundos sobre como a discussão da licença-maternidade e a licença-paternidade pode ser superada pela licença parental, que poderia, inclusive, possibilitar um acordo entre o casal, de forma a equilibrar a participação de todos os genitores, sejam eles homens ou mulheres e em todas as conformações familiares”, afirma a especialista.

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) compartilha da visão da advogada. “Eu considero que o julgamento do STF foi importante no sentido de reconhecer todas as configurações familiares, e o fato de que se há duas mães para uma mesma criança, as duas precisam tirar licença, mas é ineficiente diante da necessidade que é garantir, de fato, o compartilhamento por parte das duas cuidadoras”, opina a parlamentar.

Seu mandato protocolou o PL 1974/21, que institui o Estatuto da Parentalidade, visando aumentar a licença para 180 dias e estendê-la aos dois cuidadores do bebê. O projeto, que também reconhece famílias e uniões homoafetivas, segue em tramitação. “O ideal é que ambas as pessoas que compartilham as tarefas do cuidado tenham direito ao mesmo tempo de afastamento do trabalho”, defende a deputada.

Como acessar o direito

Como não se trata de uma lei, para alcançar os direitos definidos pelo STF, as mães deverão fazer um requerimento formal para as empresas onde trabalham. 

“Caso a empresa negue a concessão do benefício, negue fazer os procedimentos necessários no INSS, será necessário procurar o sindicato da categoria para discutir a questão”, fala Ferraz. O ajuizamento de uma reclamatória trabalhista também é possível, mas aumenta os riscos de discriminação no trabalho ao longo do processo.

Segundo a advogada, a criação de políticas internas de igualdade de gênero e parentalidade é essencial para as empresas, que terão à frente o desafio de responder às demandas de suas funcionárias de maneira justa, sem gerar discriminação.

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