Sem apoio institucional, professores de SP combatem LGBTfobia com criatividade. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
educação

Sem apoio institucional, professores de SP combatem LGBTfobia com criatividade

Eles ensinam sobre diversidade sexual e de gênero por meio de podcasts e trabalhos artísticos

“Por que me quebras?”, pergunta o painel exposto na Escola Municipal Professor Derville Allegretti, do bairro Santana, em São Paulo. Em volta do questionamento central, estão espalhadas ofensas LGBTfóbicas ouvidas pelos alunos do Ensino Médio, como “viadinho”, “traveco” e “indeciso”. 

O trabalho criado pelo Coletivo Corpas, composto por alunos, ficou eternizado no registro fotográfico do professor Thiago Nascimento, 41, mas causou tanto desconforto nos funcionários da instituição que foi rasgado e jogado no lixo sem aviso prévio. 

Segundo Nascimento, o mal-estar é compatível com as ações discriminatórias ele presenciou ao longo do ano que atuou na escola. O educador relata “sabotagens” a projetos pró-LGBTQIA+ e constrangimentos a alunos trans por usarem o banheiro de sua preferência.

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O professor de Artes começou a atuar na rede pública municipal de ensino de São Paulo há seis anos, próximo à eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Na época, uma mãe chegou a abordá-lo para chamá-lo de “militante”. 

Não à toa, seus colegas têm medo da perseguição. “Eu sempre explico que a BNCC, que é a Base Nacional Comum Curricular, fala sobre acolher as diferenças, então a gente pode se pautar nisso, porque está aí, é um documento oficial”, cita, referindo-se às guias do Ministério da Educação (MEC) que determinam os conhecimentos e as habilidades essenciais que todos os estudantes do país devem desenvolver.

A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo também tem um Núcleo de Gênero e Diversidade que “visa fomentar práticas inclusivas na rede desde os órgãos centrais até às unidades Educacionais diretas e parceiras da Rede Municipal de Ensino, em todas as etapas e modalidades da Educação Básica, com vistas à promoção da igualdade de gênero e do respeito à diversidade”, afirma a pasta.

Mesmo com esse respaldo, os desafios diários para quem está em sala de aula são muitos. Nascimento afirma nunca ter recebido qualquer orientação formal a respeito do ensino sobre diversidade sexual e de gênero. Sem capacitação ou materiais de apoio, ele precisou improvisar.

Em 2023, o professor publicou a pesquisa “Menines borboletas: memórias, imagens e narrativas dissidentes na arte-educação”, na qual discute propostas artístico-pedagógicas para falar de gênero e sexualidade, considerando as subjetividades de cada aluno.

“O nome nasce da brincadeira de uma criança dizendo que é uma menina borboleta”, explica. “Em vez de retaliarem a colega, as outras crianças começaram a brincar. A partir daí eu comecei a desenvolver um trabalho com essa imagem da borboleta.”

Hoje, a partir das imagens, o educador ajuda os estudantes a pensarem fora da caixa cisheteronormativa. O painel “Por que me quebras?”, citado no início desta reportagem, é um exemplo de como ele explora a potencialidade da imaginação em sala de aula. 

A partir da leitura do texto “Na Quebra Juntas”, de Jota Moçamba, os alunos puderam expressar através da arte. A dinâmica foi abraçada pelos colegas que não se identificam como membros da comunidade LGBTQIA+, abrindo um espaço de solidariedade na escola. 

Painel “Por que me quebras?”

Foto: Thiago Nascimento/Arquivo pessoal

Microfone aberto

O professor Kelvyn Henrique Pereira, 22, também alega não ter recebido quaisquer orientações sobre o ensino para a diversidade nos últimos três anos, quando começou a dar aulas na rede estadual de ensino de São Paulo. 

Segundo a Secretaria da Educação do estado, os professores de escolas públicas recebem formações continuadas para o combate à violência contra a comunidade LGBTQIA+. 

Pereira, porém, acredita que essa iniciativa encontra barreiras entre os dirigentes de escolas, que desincentivam o ensino sobre diversidade sexual e de gênero porque têm medo da retaliação de famílias conservadoras.

A Diadorim já mostrou como as falácias em torno da “ideologia de gênero” acuaram até mesmo o Ministério da Educação. O resultado desse silenciamento é o despreparo do corpo docente para lidar com as violências cotidianas. 

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Pereira, que se autodeclara pansexual, já foi vítima de LGBTfobia no ambiente de trabalho. “Já teve professor que me disse que eu estava ofendendo a fé dele, me chamando de anticristão”, lembra. “Acontece com muita frequência de ouvirmos falas extremamente preconceituosas, e quando nos colocamos em relação a essas falas, os professores simplesmente entram num processo de distanciamento da gente.”

Como resposta, ele e outros professores interessados na pauta têm promovido diálogos e atividades com alunos e docentes de escolas públicas, com foco no letramento e na sensibilização sobre a população LGBTQIA+. 

Na escola estadual Professora Luiza Hidaka, em Suzano, na Grande São Paulo, os próprios estudantes demandaram que o corpo docente buscasse atualização. “Eu e um colega fizemos, durante dois anos, uma formação com os professores de concepções básicas de gênero e de sexualidade, e tivemos muita dificuldade para trabalhar com isso”, relembra Pereira.

Outra ação de sua autoria foi o podcast “Microfone Aberto”, realizado em parceria com Giovani Artusi, professor de Filosofia. No último dia letivo de 2023, eles convidaram os alunos do 3º ano do Ensino Médio para gravarem um episódio colaborativo sobre gênero e sexualidade. A conversa completa está disponível no Spotify.

“Existe uma aceitação muito legal dos estudantes em relação a esse tipo de projeto. É uma forma de construir conhecimento junto aos alunos que fazem parte da comunidade LGBTQIA+ e também de aproximá-los daqueles que não fazem”, avalia.

O professor Kelvyn Henrique Pereira.

Foto: arquivo pessoal

Professores no Brasil

Em 2023, um mapeamento realizado pela ONG Todos Pela Educação revelou que apenas 25,5% das escolas de todo o Brasil têm projetos de combate à LGBTfobia e ao machismo — o patamar mais baixo registrado nos últimos 10 anos.

A pesquisa tem base em questionários do Sistema Nacional de Avaliação Básica (SAEB), aplicados a diretores escolares entre 2011 e 2021.

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Também no ano passado, uma pesquisa realizada pela Associação Nova Escola, em parceria com a ONG TODXS, mostrou que 70% dos profissionais da educação acreditam na importância de abordar a diversidade sexual e de gênero nas escolas. O estudo abrangeu 4.035 profissionais da área em todo o Brasil e trouxe à tona percepções e desafios relacionados a essa temática.

Além disso, 60% dos profissionais acreditam que o ambiente escolar é propício para explorar e desenvolver essas temáticas. Entre os professores que se identificam como LGBTQIA+, o número chega a 8 em cada 10.

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