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Proibição e mitos sobre a linguagem não-binária no Brasil

Pesquisadores apontam seis argumentos para desconstruir mentiras sobre o tema

“Porque tudo aquilo que jamais é visto não existe”
Mário Quintana

No último mês de maio, Recife entrou para a lista de cidades brasileiras que já viveram a cada vez mais comum disputa de sentido e legalidade em torno da linguagem não-binária, também conhecida como linguagem neutra. O projeto de lei 206/2020, de autoria do vereador Fred Ferreira (PSC-PE) e pivô dessa situação, está entre as dezenas de PLs apresentados nos últimos anos para evitar que pessoas usem e ensinem formas como “todes”, “elu” e “meninx” em todo o país. Ele foi aprovado em primeira votação, mas reprovado em seguida

Já dentre os projetos que tramitam na Câmara Federal e nas assembleias legislativas estaduais, são atualmente 63 propostas proibicionistas. O projeto de pesquisa “Linguagem não-binária em projetos de lei brasileiros”, produzido pelo Núcleo de Estudos Queer e Decoloniais (NuQueer), da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), finalizou sua primeira etapa tratando justamente desse cenário. A investigação chegou aos seguintes resultados:

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Existem muitos mitos em torno da linguagem não-binária que estão na base desses projetos de lei. Um dos desafios de nossa pesquisa é desconstruir esses mitos. A seguir, seis argumentos que auxiliam nessa desconstrução. 

Ponto 1
A linguagem não-binária não causa déficit do aprendizado de uma língua. Crianças e adolescentes convivem muito bem com a variação e a mudança linguísticas, basta ver como usam e aceitam as novas palavras oriundas do inglês que vêm com o universo digital. Quanto mais proporcionarmos a exposição da linguagem não-binária como um modo sensível para ajudar pessoas a não sofrerem, mais crianças e adolescentes vão aprender bem e decidir se usarão uma linguagem inclusiva ou não. A educação e o ensino problemáticos não estão em considerar a linguagem não-binária na sala de aula, mas em impedir que pessoas possam usar a sua língua, sobretudo quando esta está a serviço da diferença humana. 

Ponto 2
Pessoas não-binárias e aliadas a elas não querem impor o ensino e o uso da linguagem não-binária, mas ensinar que podemos ter um discurso empático e de valorização da diferença humana. A linguagem não-binaria é um gesto de cuidado do outro. É uma ação deliberada e facultativa e está sendo colocada em prática. A escola brasileira e o ensino de língua deve reconhecer a linguagem não-binária não porque foi imposta, mas porque a educação formal está comprometida com a realidade e essa linguagem já é parte de nossa realidade e inclusive não está mais restrita a guetos.

Ponto 3
A linguagem não-binária é muito mais que o “todes”. Ela está presente em novos pronomes, pode ser usada com marcas como “x” e “@” e até já existe na língua padrão (como quando usamos a palavra “pessoa” para não marcar o gênero masculino ou feminino). Algumas dessas formas são mais adequadas do que outras, a depender da situação comunicativa. Nenhuma delas é capacitista ou elitista, pois são criadas com o compromisso da inclusão. O nosso uso é que vai definir se terá o melhor efeito. Por exemplo, escrever “todes” para um público amplo é melhor do que escrever “todxs”, porque essa segunda forma pode dificultar a leitura, mas isso não quer dizer que existe um modo melhor do que outro, e sim que alguns são mais relevantes a depender de para quem e como está se usando. Essas diferenças podem ser sistematizadas pela escola inclusive com o objetivo de abordar a língua como interação, uma vez que nossos documentos parametrizadores e as orientações científico-pedagógicas apontam que é papel da escola ensinar a língua como uma atividade socio-cognitivo-cultural.

Ponto 4
A linguagem não-binária não exclui as mulheres. Além disso, ela não funciona apenas para representar pessoas não-binárias. Ela também serve para designar grupos de gêneros mistos. Mesmo que a linguagem não-binária se voltasse apenas para pessoas não-binárias, isso não a tornaria excludente em relação a mulheres. Seria apenas mais uma forma de representatividade específica, como fazemos com tantos outros usos linguísticos. Se as pessoas pensam que essa linguagem exclui a representação das mulheres porque não usa o feminino gramatical, estão completamente enganadas. Sabendo que existem muitos modos de produzir a linguagem não-binária e que ela pode se referir também a pessoas como um todo, isso inclui mulheres e valoriza a diferença humana.

Ponto 5
O acordo ortográfico da língua portuguesa é um instrumento que serve à padronização de recursos da escrita para favorecer a rede internacional de países lusófonos. A língua não corresponde a uma lei, aos registros dicionarizados nem a qualquer compósito gramatical que se possa reunir. A língua é o que fazemos com um sistema simbólico culturalmente reconhecido quando interagimos com as pessoas. Língua é a atividade de interlocução e não suas formas. Se algo não está num acordo ortográfico ou em algum registro oficial, não quer dizer que não devemos usar ou tratar da linguagem não-binária. Ao contrário, reconhecer o que não é prescrição nos faz entender hipóteses linguísticas que levam as pessoas a criar e serem agentes de seu tempo. Pedagogicamente, não há melhor aprendizado do que este.

Ponto 6
Qualquer ação que objetive legislar sobre a língua deve, no mínimo ser discutida com linguistas. E quando se trata de alguma legislação sobre a pedagogia linguística, é necessário que o debate seja feito com profissionais da Pedagogia e instituições de autoridade em Educação. Mais ainda, quando se busca legislar sobre modos que representam uma população subalternizada, é crucial que se converse com integrantes dessa população. Um movimento que não atenda a essas interlocuções descaracteriza seu perfil democrático.

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Gustavo Paraíso

Graduado em Comunicação Social - Rádio e TV pela UFPB e em Letras - Português e Espanhol pela UFRPE. É integrante do Núcleo de Estudos Queer e Decoloniais (NuQueer). Pesquisador em Linguística pelo CNPq.

Iran Melo

Linguista, professor da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), diretor do Observatório Brasileiro de Linguagem Inclusiva de Gênero e pesquisa o discurso de Linn da Quebrada.

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