STJ reconhece direito à dupla maternidade em caso de inseminação caseira
A atriz Sheila Donio, 42, e a musicista Simone Mello, 52, conquistaram o direito de registrar a filha Júlia, que hoje tem 2 anos. Crédito: reprodução/Instagram
direitos humanos

STJ reconhece direito a dupla maternidade em caso de inseminação caseira

Decisão histórica fortalece direitos de casais homoafetivos e amplia proteção a configurações familiares diversas

Em uma decisão histórica, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, em 17 de outubro, o direito de duas mães registrarem uma criança gerada por inseminação caseira. O julgamento, relatado pela ministra Nancy Andrighi, foi pautado pelos princípios de igualdade e proteção ao planejamento familiar previstos na Constituição Federal. 

O advogado Vitor Almeida, que acompanhou o julgamento na condição de amicus curiae, representando o Instituto Brasileiro de Direito Civil, diz que a decisão reflete uma visão “isonômica” da lei ao aplicar o artigo 1.597 do Código Civil ao caso. Esse artigo já presume a paternidade em casos de reprodução assistida para casais heterossexuais, e o STJ o aplicou pela primeira vez a um casal composto por duas mulheres.

“A jurisprudência sobre a parentalidade homoafetiva ainda está em desenvolvimento no Brasil, mas essa decisão do STJ é crucial para fortalecer o conceito de igualdade nas relações familiares”, afirma o advogado, que também atua como professor no Mestrado Profissional em Direito Civil Contemporâneo da PUC-Rio. 

No caso que chegou ao STJ, as duas mulheres recorreram à inseminação caseira devido aos altos custos dos tratamentos em clínicas especializadas e enfrentaram a negativa de reconhecimento legal de ambas como mães. Em sua decisão, a ministra Andrighi ressaltou a importância de garantir os direitos da criança e da família, destacando que negar o reconhecimento de filiação a casais homoafetivos devido ao método de concepção significa impor uma barreira econômica e social. 

Para Almeida, esse argumento é fundamental, pois expõe a exclusão vivenciada por casais LGBTQIA+ que recorrem à inseminação caseira como opção mais acessível. “O Direito Civil precisa avançar na proteção das novas formas de família e garantir o reconhecimento integral dos direitos das crianças nascidas em arranjos familiares diversos”, fala.

Agora, com a decisão favorável do STJ, ele recomenda que casais homoafetivos busquem orientação jurídica para entender melhor os direitos e deveres envolvidos na decisão de formar uma família. Almeida acredita que o apoio de um advogado ou defensor público pode facilitar processos de registro civil e evitar transtornos legais. “É importante que esses casais estejam informados sobre todos os aspectos legais, para que possam exercer seus direitos com segurança e tranquilidade”, ressalta.

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Luta por direitos

O caminho para o reconhecimento de ambas as mães no registro civil não é fácil para quem opta pela inseminação caseira. Historicamente, as famílias enfrentam barreiras tanto no Judiciário quanto em cartórios, que alegam a ausência de regulamentação específica para esses casos.

Almeida explica que o CFM (Conselho Federal de Medicina) regula apenas a inseminação assistida em ambiente médico, o que exclui casais que recorrem à inseminação caseira. Ele acredita que o órgão não teria interesse em regulamentar práticas realizadas fora do ambiente médico.

Em sua decisão, o STJ reiterou que a falta de regulamentação sobre inseminação caseira não deveria ser um impeditivo para a proteção dos direitos da criança e da família. O professor reforça que, embora a decisão do STJ represente um grande passo, a ausência de normas claras para inseminação caseira e outras formas de concepção impede uma segurança jurídica plena. “Uma regulamentação mais ampla é essencial para dar segurança às famílias homoafetivas e aos direitos das crianças.”

Disputa internacional

O reconhecimento da dupla maternidade pelo STJ se diferencia de abordagens restritivas adotadas por alguns países. Recentemente, a Itália, por exemplo, limitou o registro de crianças de casais homoafetivos ao nome da mãe biológica, o que Almeida vê como “um retrocesso para os direitos humanos e uma violação aos direitos da criança”. Em contraste, ele defende que o Brasil segue um caminho de respeito à diversidade ao ampliar o reconhecimento legal das famílias LGBTQIA+. 

Ele acredita que a conquista do reconhecimento da dupla maternidade abre portas para o avanço de direitos que vão além das técnicas de concepção, como o acesso à certidão de nascimento com o nome de ambas as mães, sem a necessidade de processos judiciais para cada caso.

“É uma vitória que não beneficia apenas um casal, mas representa um ganho para toda a sociedade brasileira, reafirmando o compromisso com a justiça social e a dignidade das famílias LGBTQIA+”, acrescenta.

Almeida menciona que essa decisão também envia um recado ao Congresso Nacional, evidenciando a urgência de uma legislação que garanta direitos plenos às novas configurações familiares.

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