Retificação de prenome e gênero ainda esbarra em burocracia e custos, diz Antra
Direito conquistado em 2018 é fonte de transfobia e despreparo de cartórios
Burocracia excessiva e os altos custos são os principais entraves para pessoas trans e travestis que desejam realizar a retificação de prenome e gênero no registro civil. Apesar de ser um direito garantido em 2018 por meio de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o processo precisa ser aprimorado. Essas são as conclusões de uma pesquisa virtual realizada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), que recebeu 1,6 mil respostas em abril deste ano.
No “Diagnóstico sobre o acesso à retificação de nome e gênero de travestis e demais pessoas trans no Brasil”, a entidade considera que falta uniformidade nos procedimentos, especialmente na concessão de isenção de taxas para a população hipossuficiente. O documento também aponta relatos de transfobia praticada por funcionários de cartórios e de exigência de documentos que não estão previstos nas normativas para dificultar o processo.
A Antra cobra ainda atualizações no provimento 73/2018, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamentou a decisão do STF. De acordo com a entidade, o texto faz exigências “altamente burocráticas” que extrapolam aquilo que foi decidido pelo plenário do STF, “não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, por audodeclaração”. O documento do CNJ, contudo, determina que a pessoa interessada reúna até 17 documentos — o que, na prática, acaba impedindo o acesso a esse procedimento para parte da população.
“Em um país onde se estima que cerca de 90% da população de travestis e mulheres transexuais se encontra no mercado da prostituição e a maior parte dessas pessoas ainda vivenciam um processo de alta vulnerabilidade e precarização por falta de oportunidades formais de emprego, negar a gratuidade e exigir altas taxas cartoriais para que este grupo acesse um direito fundamental não só é incongruente à realidade do Brasil, mas também inconstitucional”, diz o documento.
A pesquisa aponta que fatores como renda e trabalho podem, de fato, ser determinantes na garantia desse direito. A pesquisa apontou menor acesso entre pessoas trans e travestis mais pobres e que não trabalham. Entre as que conseguiram a retificação, 41,7% têm renda mensal de até R$ 1,1 mil. Já entre as que não retificaram, 65,8% vivem com até R$ 1,1 mil. Os índices de desemprego também são maiores entre as que não retificaram (55,1%) do que entre as que fizeram a alteração de prenome e gênero (36,3%).
O diagnóstico da Antra também reforça a necessidade de que o provimento do CNJ abarque públicos excluídos do texto, como pessoas não-binárias, menores de 18 anos, migrantes e brasileiros que moram no exterior.
“A retificação do nome e/ou do gênero é um procedimento que materializa ou expressa um direito de personalidade que tem traços de interesse coletivo e público, por estar intrinsecamente relacionado à construção de uma sociedade mais justa e ao fortalecimento de valores ligados à tolerância à diversidade e à igualdade. Por isso, pautar e defender os direitos das pessoas trans à identidade de gênero e à retificação de seus documentos é um dever do Estado”, defende a Antra.
Leia o relatório na íntegra aqui.