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jornalismo

Na Ajor, editora da Diadorim dá dicas para cobertura mais responsável da pauta LGBTI+

Camilla Figueiredo fala sobre as melhores práticas na produção de conteúdos e na busca por fontes especializadas sobre a temática

Texto publicado na Ajor (Associação de Jornalismo Digital) em 20 jun. 2022

A 26ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo aconteceu neste domingo (19), retornando sua programação presencial depois de dois anos de crise sanitária. O evento é só uma das iniciativas de luta contra a discriminação da população LGBTI+ e pela promoção de políticas afirmativas que ocorrem durante junho em todo o país.

Seja por ações de marcas, por manifestações de coletivos ou pelo posicionamento de políticos, artistas e outras figuras públicas, o Mês do Orgulho coloca em evidência a pauta LGBTI+ no noticiário nacional. O movimento para dar mais enfoque e ampliar a visibilidade da causa é importante, mas são necessários cuidados para não reproduzir desinformação ou estigmatizar grupos que foram historicamente vulnerabilizados e silenciados.

A percepção de uma lacuna na cobertura especializada sobre as pautas LGBTI+ foi o ponto de partida para a criação da Agência Diadorim. Lançada durante a pandemia com “um pé em São Paulo e outro em Pernambuco”, a organização independente e sem fins lucrativos conta com o apoio de uma rede de colaboradores de diversas regiões para a produção de conteúdos sobre direitos da população LGBTI+. 

Fazem parte da fundação da organização os jornalistas Allan Nascimento, Camilla Figueiredo e Mateus Araújo, o advogado Paulo Malvezzi e o designer Tomaz Alencar. O nome é uma referência à personagem do livro ‘Grande Sertão: Veredas’, de Guimarães Rosa. Os fundadores também se inspiraram no ‘Lampião da Esquina’, um jornal homossexual brasileiro que circulou durante os anos de 1978 e 1981. 

Durante seu primeiro ano de funcionamento, a Diadorim se financiou por meio de doações via campanha de arrecadação. Em abril de 2022, a iniciativa foi contemplada pelo edital Mobilização em Defesa dos Espaços Cívicos e da Democracia, do Fundo Brasil, para um projeto de cobertura das eleições.

A Ajor conversou com a cofundadora da Diadorim Camilla Figueiredo sobre os principais problemas da cobertura da pauta LGBTI+ na imprensa brasileira. Ela comenta sobre a inclusão de questões sobre sexualidade e gênero no Censo Demográfico e dá dicas para a produção de reportagens menos estereotipadas sobre a temática.

AJOR — Na sua opinião, quais os principais erros na cobertura da pauta LGBTI+ na imprensa brasileira? Há diferenças entre meios tradicionais e independentes?
CAMILLA FIGUEIREDO —
Acho que os principais erros estão vinculados ao não entendimento de quais são as pautas reais dessa população. Nos veículos de grande porte, vemos mais notícias sobre morte e violências cometidas contra dissidentes, o que é importante, mas é escassa a informação sobre o combate à LGBTIfobia e os novos direitos adquiridos, por exemplo. Os meios independentes vão chegando mais junto, já conseguem abrir diálogo e pautar temas como a ausência de políticas públicas para pessoas LGBTI+ em Pernambuco, reportagem que fizemos em parceria com a Marco Zero Conteúdo. Ainda assim, é fundamental ter veículos olhando com atenção para o que nos é mais caro e não é a prioridade das grandes plataformas.

AJOR — Qual a diferença na cobertura das letras da sigla? E qual o impacto disso?
CAMILLA —
A principal diferença é a visibilidade de cada letra. Isso por causa da interseccionalidade. A sigla, como outros grupos sociais, é atravessada pelas questões de raça e classe também. Assim, historicamente as pautas dos homens cisgênero brancos, mesmo que homossexuais, têm mais espaço. As travestis e mulheres transexuais, por sua vez, aparecem violentamente assassinadas. As pautas lésbicas quase não aparecem, as de pessoas bissexuais também não. Como em todo movimento político e social, também há as divergências internas, o que só dificulta a tomada de poder pela comunidade como um todo.

AJOR — Em quais iniciativas a Diadorim se inspira? Quais as boas referências da cobertura sobre o tema?
CAMILLA —
Agência Pública, Ponte Jornalismo, o Joio e o Trigo, Brasil de Fato, Retruco, Núcleo Jornalismo são algumas das nossas influências, exemplos de organizações nas quais a gente se inspira. Temos parcerias com algumas delas, inclusive, que republicam nossos textos.

AJOR — A decisão de incluir questões sobre identidade de gênero e orientação sexual no Censo Brasileiro está em disputa neste momento. Como vocês veem esta questão?
CAMILLA — Esse foi o tema de uma de nossas principais reportagens, que tem muito de como a gente vê a questão. Toda política pública bem planejada e que pretende ser realmente efetiva trabalha com estatística e dados oficiais. Sem isso, que é o Brasil LGBTI+ de hoje, é tudo feito no escuro, sem certeza de quantas pessoas serão beneficiadas, de quem são essas pessoas, onde e como elas vivem e do que precisam mais. Aí os escassos recursos – tempo, energia, dinheiro – são gastos sem que haja sequer condições de apurar a eficácia de qualquer trabalho. Entendemos os desafios de incluir perguntas sobre uma temática tão delicada para muitas famílias no formulário do Censo, mas esta precisa ser uma pauta prioritária do(s) movimento(s) e é preciso esforço coletivo para encontrar o melhor caminho. A ausência desses números oficiais é um problema grave e, uma vez sanado, o debate e a luta da população dissidente de gênero e sexualidade serão levados a outro patamar.

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AJOR — Com a falta de dados públicos, em quais fontes jornalistas que cobrem a temática devem se pautar?
CAMILLA — Eis a grande questão. Os movimentos tentam preencher esse vácuo com pesquisas independentes e extraoficiais, que acabam sendo nossas fontes. O ruim é que cada grupo vai ter um método, um escopo, um alcance. Sobre violência, por exemplo, anualmente ou bianualmente tem dossiê ou relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), do Grupo Gay da Bahia (GGB), do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Atlas da Violência. É super difícil escrever sobre esses números porque a sensação é de que falam de coisas diferentes, temos sempre que explicar as diferentes metodologias de apuração, o que está sendo considerado, e tentar concluir algo daquilo. Então os jornalistas que querem falar sobre as pautas LGBTI+ têm que recorrer aos movimentos e tentar confrontar com os poucos e parciais dados divulgados pelo setor público – às vezes um ministério, às vezes os governos de estado, as prefeituras. O que também temos tentado fazer é criar os dados a partir de levantamentos feitos por nós mesmos, o que dá pra ser feito. Uma de nossas reportagens com maior repercussão foi sobre 34 projetos de lei contra o uso da linguagem neutra nas assembleias legislativas estaduais, em que fizemos a pesquisa em cada site. Mas quando vamos pensar no perfil demográfico da população da sigla, é um ponto completamente cego.

AJOR — Quais os caminhos para a garantia de uma cobertura jornalística mais responsável e menos estigmatizada sobre a temática?
CAMILLA —
Um bom caminho é contratar profissionais LGBTI+ para pautar e escrever sobre os temas do momento. Além disso, manter diálogo com os movimentos sociais. Na ausência dos dados oficiais e do poder público, é a sociedade organizada que vai buscar e garantir direitos, conhecer as principais necessidades da comunidade. É preciso entender a complexidade da sigla também. Isso vale para comunicar sobre todos os grupos minorizados politicamente: o movimento negro não é um só, nem as pessoas negras; o feminismo não é um só, nem as mulheres; o arco-íris tem muitas cores, os dissidentes de gênero e sexualidade são diversos. E se faz necessário respeitar de fato essa pluralidade.

AJOR — Uma dica para jornalistas: o que definitivamente NÃO fazer em uma pauta sobre a população LGBTI+?
CAMILLA —
Não ouvir apenas pessoas cisgênero e heterosexuais brancas, não reforçar esteriótipos, evitar pautar apenas as violências cometidas contra LGBTI+ e transformar a visibilidade dessas pessoas em uma infinita contagem de corpos. 

Conheça outras iniciativas com conteúdos focados na temática:
Bendita Geni: https://open.spotify.com/show/4Tih1tZXONnHrHHAUoHCvf
Site Pheeno: https://pheeno.com.br/
Canal das Bee: https://www.youtube.com/c/CanalDasBee
Põe na roda: https://poenaroda.com.br/ 
LGBTpodcasters: https://lgbtpodcasters.com.br/
Biscoito Podcast: https://open.spotify.com/show/6wYLeUx0wdqzweDumlSutV 

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