‘Era como se estivessem me apedrejando’, diz jogador de vôlei vítima de homofobia
O crime ocorreu no Recife, durante partida do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia
“Saca na bicha!”, alguém grita enquanto Anderson Melo, 32, joga vôlei de praia. A filmagem de uma partida da etapa Recife do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia registrou aquela e mais uma série de outras ofensas homofóbicas que um grupo de pessoas não identificadas disparou contra o atleta. O crime ocorreu na última quinta (14 mar.), na capital pernambucana, enquanto Anderson e Lyan jogavam contra a dupla Fabiano e Luizão.
Em entrevista à Diadorim, ele conta que se sentiu apedrejado e não conseguiu entregar a mesma performance dos treinos. O resultado foi que perdeu o jogo por 2 sets a 0.
Os vídeos das agressões viralizaram na internet, junto ao desabafo do próprio jogador, e famosos como Anitta e Sasha Meneghel prestaram apoio. Autoridades como a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que é ex-jogadora de vôlei, e a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, também repudiaram o episódio.
Nas finais da etapa Recife, jogadores entraram em campo empunhando faixas em apoio ao colega, com os textos: “Homofobia é crime” e “Anderson Melo, essa luta é de todos”. Após voltar para casa, o jogador formalizou denúncia em uma delegacia do Rio de Janeiro e aguarda o andamento das investigações.
A Confederação Brasileira de Vôlei emitiu nota lamentando as ofensas e dizendo que vai encaminhar o caso ao Ministério Público. Nesta entrevista, o atleta conta como se sentiu diante da violência e incentiva outras vítimas de homofobia a fazerem denúncias.
AGÊNCIA DIADORIM – Nos vídeos que circulam na internet, vemos você sofrer diversos ataques homofóbicos sem que ninguém na quadra se oponha. Como você se sentiu durante o jogo?
ANDERSON MELO – Durante o jogo eu tive os piores sentimentos possíveis. Sentimento de tristeza, de solidão, eu fiquei sem chão, era como se eu tivesse levado uma facada na alma. Sabemos que o Brasil é um país preconceituoso e que mata pessoas LGBTQIA+, então a gente sempre tem medo, mas desde quando eu me assumi pra minha mãe, com os meus 17 anos, eu sempre fui muito firme. Nunca deixei que as pessoas falassem, que as pessoas zombassem. Eu sempre fui bem resolvido, ao ponto de sofrer as ofensas homofóbicas e manter o meu lado atleta em quadra, em busca da vitória, em busca do que eu tinha ido fazer lá em Recife. Eu treinei o mês inteiro, fui pra jogar vôlei, pra tentar ser campeão da etapa e não pra me defender. Mesmo recebendo ataques homofóbicos, com o coração partido, eu segui o jogo.
DIADORIM – Você sentiu que a violência prejudicou sua performance?
ANDERSON – No primeiro momento, eu tentei lutar o máximo para conseguir jogar e não dar importância para os gritos, mas infelizmente eles não saíam da minha cabeça, não paravam, e eu não consegui botar em prática tudo que eu treinei o mês inteiro, tudo que me preparei pra fazer. Isso não só ressoou neste jogo como no segundo, no terceiro jogo, em todos os jogos, porque aquilo que eu passei me despertou um sentimento de vulnerabilidade, era como se estivessem me apedrejando.
DIADORIM – É a primeira vez que você é atacado desta forma no esporte?
ANDERSON – É a primeira vez que sou atacado na vida. Eu nunca fui atacado pela minha sexualidade ou qualquer outra coisa em nenhum ambiente, nem no esporte, nem na minha vida social, nem nas redes sociais. Foi a primeira vez.
DIADORIM – Você registrou Boletim de Ocorrência? Como foi acolhido na delegacia?
ANDERSON – O ocorrido foi no dia 14 de março, quinta-feira, e meu último jogo foi às 20h. Como eu estava sem energia nenhuma, sem conseguir respirar, eu não consegui fazer o BO em Recife. Até tentei fazer on-line, mas não consegui, então voltei para o Rio de Janeiro e fiz o BO. O policial me tratou da melhor forma possível, foi bem respeitoso com o meu caso, me ouviu bastante, deu a opinião dele, mostrei para eles as provas, os vídeos, e espero que os indivíduos sejam reconhecidos e paguem pelo crime que cometeram. Mas eu também desejo que outras pessoas tenham consciência e que, caso um dia sofram um crime de homofobia, tenham coragem de denunciar e de correr atrás do seu direito, que tenham forças para poder lutar, pois ninguém merece passar por essa humilhação, ninguém merece ser julgado, ser violentado por ser quem é. Estamos no século 21 e o respeito deveria prevalecer, mas infelizmente nem todos na sociedade agem dessa forma.
DIADORIM – Na sua visão, o vôlei ainda é um esporte violento com vivências LGBTQIA+? Como é se assumir gay sendo um esportista no Brasil?
ANDERSON – Eu penso que o vôlei é o esporte mais acolhedor com a nossa comunidade LGBTQIA+, é onde a gente encontra mais praticantes – não no meio profissional, da alta performance, mas em praças e quadras. Em todos os lugares que têm o vôlei, tem o nosso grupo jogando, sendo feliz e fazendo o que ama.