Deixar ‘pódio’ da LGBTfobia é desejo do governo, diz secretário-executivo de Direitos Humanos de PE
Jayme Asfora comanda a área vinculada à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco
Desde 1º de fevereiro, o advogado e ex-vereador do Recife Jayme Asfora (PSDB), 53, comanda a Secretaria-Executiva de Direitos Humanos, vinculada à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco. Sob a sua responsabilidade, estão 12 programas – entre eles, o Centro Estadual de Combate à Homofobia (Cech), que integra o Sistema Estadual de Proteção a Pessoas (SEPP).
Criado entre 2011 e 2012 como Centro de Referência LGBT, como parte do Programa Brasil sem Homofobia do Governo Lula, o Cech acolhe pessoas LGBTQIA+ vítimas de violência, auxilia pessoas trans na retificação de nome e gênero nos registros civis e oferece orientação psicossocial e jurídica a essa população. Em 2022, o espaço fez 113 atendimentos, embora, nos últimos anos, venha sendo precarizado pela falta de investimento e pessoal.
Asfora tem atuação na área de direitos humanos. Em sua gestão como presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Pernambuco, entre 2007 e 2009, criou a primeira Comissão de Apoio à Diversidade Sexual e Combate à Homofobia – a primeira desse tipo no País, além de ter presidido a Comissão de Direitos Humanos da OAB Nacional.
No campo político, atuou em dois mandatos na Câmara Municipal do Recife, de 2013 a 2020 — primeiro pelo PSB e depois pelo MDB. Aos 53 anos, procurador do Estado licenciado, ele agora está filiado ao partido da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra.
Nesta entrevista à Agência Diadorim, o secretário-executivo de Direitos Humanos do estado fala sobre a situação do Cech e também adianta quais são os seus primeiros planos de atuação.
AGÊNCIA DIADORIM — Você foi convidado pela própria governadora Raquel Lyra (PSDB) para ser secretário-executivo de Direitos Humanos de Pernambuco?
JAYME ASFORA — Sim, com a missão de alavancar a área de direitos humanos da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, que é muito vista como a secretaria do sistema penitenciário. Tanto Lucinha [Mota, secretária titular da pasta] quanto eu estamos com esta missão. Muita gente da comunidade LGBT não sabe que existe o Centro Estadual de Combate à Homofobia. A procura é grande, mas podia ser muito maior.
DIADORIM — Há orçamento previsto para o Cech? Em 2021, uma reportagem da Agência Diadorim e da Marco Zero Conteúdo denunciou que, por falta de recursos, não havia sequer telefone celular para a equipe receber as denúncias.
ASFORA — Têm, para entrar de imediato, R$ 60 mil de emenda colocada pelo mandato das Juntas (PSOL), e a gente vai atrás de mais emendas e também de dinheiro do Ministério da Cidadania e dos Direitos Humanos – que Lula (PT) recriou e, na minha opinião, foi uma boa medida, porque é um Ministério que tem dinheiro e vontade para ajudar. Além disso, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) procurou a governadora e a secretária porque está interessado em investir em projetos na área de direitos humanos. Eu até já estive em uma reunião [com o Banco]. O [dinheiro do] BID demora um pouco para sair, mas, se a gente apresentar um projeto bom e ele for aprovado, chega daqui a dois anos.
A gente vai buscar dinheiro onde tiver, porque meu compromisso é botar esse Centro para conhecimento de todo mundo, botá-lo pra funcionar. Desde que fui presidente da OAB-PE, e depois [vereador] na Câmara Municipal do Recife, procurei colocar o meu mandato para questões referentes ao combate à homofobia, à promoção da diversidade e à defesa das minorias. Lutei muito para montar o Conselho Municipal dos Direitos da População LGBT, que à época não foi criado porque a bancada evangélica não queria, e Geraldo Julio [PSB, então prefeito do Recife] se rendeu a isso.
DIADORIM — No caso de emenda parlamentar, como o senhor vê a recepção na Assembleia Legislativa de Pernambuco, uma vez que há a bancada evangélica e ela compõe a base do governo [a bancada aprovou, dias depois desta entrevista, a Frente Parlamentar em Defesa da Família]? Como pretende mover projetos para a população LGBTQIA+ nesse ambiente?
ASFORA — Eu tenho know-how nisso: quando fui vereador, mesmo com a bancada evangélica, a gente conseguiu fazer algumas coisas. Também não teria chegado a emenda das Juntas. Depende da vontade dos deputados da base evangélica – quando falo de base evangélica, que fique bem claro, se trata dos evangélicos conservadores, anacrônicos, atrasados, que são os neopentecostais; não estou generalizando. Esses que fazem parte dos parlamentos são superatrasados. Na Câmara, uma das minhas divergências com o prefeito Geraldo Julio era porque ele, quando havia um empate, pendia para desempatar em favor dos evangélicos. Eu sempre tive uma boa votação na comunidade LGBT e me sentia obrigado a representá-la, como a todos que votaram em mim. Acho que Raquel e Priscila [Krause, vice-governadora, filiada ao Cidadania] têm esse compromisso, e pelo que Raquel me passou, não vai haver esse tipo de desempate em favor dos evangélicos, embora a bancada seja forte – e eu não desmereço isso. Infelizmente, embora Bolsonaro tenha ido e esteja muito longe daqui, o bolsonarismo continua. Ontem, eu vi um discurso de Clarissa Tércio [deputada federal por Pernambuco, pelo PP, e apoiadora de Raquel] na Câmara Federal fazendo o maior elogio a Bolsonaro.
DIADORIM — Qual é a real situação do Cech hoje?
ASFORA — Faltam um advogado e um psicólogo, mas a gente vai restabelecer. Vamos contratar ainda neste semestre.
DIADORIM — Essa contratação será feita com quais recursos?
ASFORA — Do próprio Estado. Já tem uma seleção pública, feita pela gestão passada, que está ok, basta chamar as pessoas. A secretária Lucinha Mota disse que já conversou com a governadora e deve chamar algumas pessoas por esses meses.
DIADORIM — Por que não foram chamadas, então?
ASFORA — Porque duas pessoas que não foram chamadas entraram com ações judiciais, ficando [a seleção] sub judice. Mas isso já se resolveu na Procuradoria, e elas foram aprovadas. Segundo o processo, elas tiveram a contagem dos pontos errada.
Canais de denúncia em pe
O governo de Pernambuco recebe denúncias de violação dos direitos humanos através dos seguintes canais de atendimento:
- Disk Direitos Humanos 100;
- Ouvidoria de Direitos Humanos: (81) 3182-7607 e (81) 3182-1613;
- Centro Estadual de Combate à Homofobia (Cech): (81) 3182-7665.
DIADORIM — Sobre os R$ 60 mil da emenda [direcionada para equipagem do Cech] aprovada pelas Juntas, em que eles serão gastos?
ASFORA — A gente pode escolher como equipar. Uma coisa que precisa ser feita logo é uma campanha publicitária. A gente precisa dar conhecimento à população de modo geral que existe e pode acionar o Centro pelo Disk Direitos Humanos 100, pela Ouvidoria de Direitos Humanos ou diretamente [pelo do Cech]. O ponto inicial é dar visibilidade ao Centro.
DIADORIM — Uma vez que a pessoa aciona o Cech e faz uma denúncia de violência, o que acontece?
ASFORA — Dependendo do caso, ela tem acompanhamento psicológico e a gente direciona o caso [para os órgãos competentes]. Se for por dificuldade de atendimento na rede de saúde, seja por violência, assédio moral ou sexual, a gente liga para o secretário, para dar conhecimento e formalizar, e acompanha a volta dela até que seja bem atendida. Quando se abre um inquérito, a gente acompanha até ele ser entregue à Justiça.
DIADORIM — Na campanha eleitoral de Raquel Lyra não havia políticas públicas para a população LGBTQIA+ no programa de governo, e quando perguntada numa entrevista sobre propostas para esta população, ela deu uma resposta genérica, ao dizer que vai governar para todos, quando essa já é uma ideia ultrapassada, porque não somos todos iguais. Qual é a disposição da governadora para essa população? Há algo verbalizado, especificado? Não é o caso de haver um trabalho educativo dentro do próprio governo?
ASFORA — Acho, sim, que isso [o trabalho educativo] é necessário e pode ser com a gente. Eu já tinha pensado nisso, mas agora se afunila como uma sugestão mesmo. A gente está pensando muito nas forças de segurança – no caso, a Polícia Militar. Mas respondendo sobre essa questão de Raquel, uma prova de que ela tem compromisso com os direitos humanos foi ter me colocado aqui, porque eu não vou sair daqui desacreditado em relação aos movimentos [sociais]. Eu vim pra cá tendo uma história, e eu vou fazer valer essa história. Eu tenho muito medo disso – apesar de eu ter tido uma boa acolhida dos movimentos sociais, modéstia à parte – e eu tenho que fazer por onde merecer esses créditos de confiança. Se eu estou aqui e fui convidado para dar visibilidade a isso, para fazer funcionar, acho que ela tem compromisso com a pauta, e a gente vai mostrar isso na prática.
DIADORIM — O que o senhor quer ter alcançado, quando deixar o cargo, em relação a políticas públicas para a população LGBTQIA+?
ASFORA — Eu não posso quantificar, mas eu queria que mais gente, de repente toda a população LGBT, tivesse ao menos ouvido falar do Centro, e que muito mais gente use. O segundo sonho que eu tenho é interiorizar, porque as ações são muito focadas no Recife, por falta de estrutura. Mas, com as redes e os meios da tecnologia da informação, é mais fácil do que antigamente. Por exemplo, no relatório de atendimento do ano passado só tem uma cidade do Sertão atendida pela gente. Petrolina sendo daquele tamanho e Arcoverde, uma cidade polo, não tiveram sequer um atendimento. Não é crível, não é verossímil, que não tenha tido nenhuma violência, infelizmente.
DIADORIM — No dia da sua nomeação no Diario Oficial, em 27 de janeiro, a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) divulgou o dossiê anual com dados de assassinatos da população trans no Brasil em 2022. De acordo com o levantamento, 131 pessoas trans foram mortas no país, sendo 130 travestis e mulheres transexuais e um homem trans. Pernambuco foi onde mais houve registros: 13 ao todo. Já o Grupo Gay da Bahia divulgou que 256 pessoas LGBTQIA+ foram vítimas de morte violenta em 2022; 20 delas em Pernambuco, deixando o estado na terceira posição.
ASFORA — Outro sonho que eu tenho é que a gente caia nesses rankings. A situação de Pernambuco está péssima, e eu acho que, sinceramente, na conversa que eu tive com Raquel, ela quer tirar Pernambuco desse pódio do mesmo jeito que a gente quer tirar Pernambuco do pódio do desemprego.
DIADORIM — Mas isso é verbalizado?
ASFORA — Ela [Raquel Lyra] verbalizou para mim que quer que a gente caia nesses índices [negativos] de direitos humanos. Não é possível que a gente continue entre os lugares que mais matam LGBT no Brasil. Desde que eu era da OAB-PE que a gente está no pódio. Acho que seria um grande legado para deixar: sair desses pódios.
DIADORIM — Não seria o caso de ampliar o nome do Cech e incluir “transfobia”, porque há outro recorte a ser tratado, que é de gênero?
ASFORA — Vamos propor isso. A gente vai pedir a mudança do nome, acho que o Conselho [Estadual dos Direitos da População LGBT de Pernambuco, responsável pela fiscalização do governo] não vai se opor. Inclusive, a maior demanda do Cech é de mulheres trans (39% dos atendimento), homens trans (22%) e travestis (11%), por mudança de nome. A gente dá instrução, acompanha no cartório, o advogado assessora. Atuamos na área de segurança, de proteção, se a vítima estiver sendo ameaçada de morte, e em serviço, de garantia de direito. Isso corrobora a sua ideia.
DIADORIM — No final de janeiro, houve o caso de uma professora trans agredida por um policial militar numa estação de metrô do Recife.
ASFORA — Mandei um ofício ontem [15 fev.] pedindo informações [ao município], porque a gente quer acompanhar o caso. Embora ela tenha prestado queixa no Centro do Recife [o Centro de Referência em Cidadania LGBT], a gente quer acompanhar esse caso.
Hoje [16 fev.] eu estou mandando ofício ao comandante da Polícia Militar pedindo para que explique – porque ninguém sabe, quando eu pergunto informalmente, e por isso vou formalizar – qual é a formação dos PMs em Pernambuco em relação aos direitos humanos. O que eu sei é que a formação é frágil e precária, mas quero saber exatamente se é uma hora, ou se são duas, quem é o professor, qual a carga horária total. É o que eu falo de ser proativo.
O Centro tem agido pós-provocação, mas não necessariamente na nossa gestão ele tem que ser provocado. Por exemplo, ele não foi provocado por ninguém sobre a formação da PM, mas eu quero ir atrás, e depois da Saúde, de todo mundo. Ele pode ter ficado até hoje só recebendo e reagindo, mas agora vai ser proativo. Isso mostra as fragilidades que a gente encontrou, mas vamos vencê-las. Tem muito trabalho feito, mas há muito ainda por fazer. O número de pessoas [profissionais] é insuficiente, embora elas tenham todo o mérito diante da estrutura precária.
DIADORIM — O sistema usado pelo Cech para atendimento das pessoas não permite o refinamento de dados. Não há campos separados para preencher informações como identidade de gênero e orientação afetivo-sexual, o que dificulta a elaboração de relatórios, políticas públicas e ações. O que vocês pensam para melhorar isso?
JAYME — Penso em chamar a ATI [Agência Estadual de Tecnologia da Informação] para ajudar a criar um novo sistema; ou, se for necessário, ir atrás de dinheiro e comprar. A gente soube dessa deficiência do sistema ontem [15 fev.]. Um sistema novo para refinar os dados é fundamental.
DIADORIM — Há mais algum projeto que o senhor pretende colocar em prática no Cech?
ASFORA — Tem um decreto que a gente descobriu: ele regulamenta lei estadual que possibilita multas para caso de racismo, LGBTfobia ou atos discriminatórios e ofensivos contra mulheres. Ele é centrado em locais de futebol, mas pode servir para outros eventos de massa. Em resumo, a gente vai poder aplicar multas que poderão ser cobradas através de um processo coordenado por nós. As multas vão de R$ 500 a R$ 1 mil, se for torcedor ou membro de um clube, e de R$ 5 mil a R$ 20 mil, se for clube ou agremiação esportiva, agenciador do estádio ou responsável pela promoção do evento. Já temos todo o aval jurídico, basta querer. Vamos pôr em prática e acho que vai dar muita visibilidade. A gente quer conseguir multar algum infrator. Tomara que não tenha, mas se tiver, que pague.
DIADORIM — As Juntas não estão mais nesta legislatura. Quais parcerias sensíveis às causas da população LGBTQIA+ você enxerga nos parlamentos?
ASFORA — Não quero falar em nomes agora, mas eu vou procurar todo mundo, independente de fazer parte da base [do governo] ou não. Se eu identificar o gabinete de um deputado do PSOL, que não faz parte da base, vou lá, não tenho problema com isso. Essa causa é suprapartidária. Tem os R$ 60 mil agora e vamos atrás de mais. Estou doido para ir ao Ministério dos Direitos Humanos [e Cidadania] agora em março. O negócio é ter projeto. Tendo projeto, o dinheiro aparece.