PEC 6×1: Lideranças LGBTQIA+ reforçam elo histórico com a luta trabalhista
Uma das principais discussões legislativas do país neste ano, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera a jornada de trabalho de 6×1 para um regime mínimo de 5×2 resgatou uma relação histórica entre os movimentos LGBTQIA+ e dos trabalhadores. É o que afirmam especialistas e historiadores de mobilizações sociais brasileiras.
Dois parlamentares LGBTQIA+ estão no centro da pauta: a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que propôs a PEC na Câmara, e o vereador recém-eleito do Rio de Janeiro Rick Azevedo (PSOL-RJ), líder do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT) e um fenômeno nas redes sociais em defesa da diminuição da jornada de trabalho.
A atuação dos dois é tida como o resgate de um elo com as décadas de reivindicações por dignidade no trabalho e inclusão de pautas sociais diversas.
“Nos anos 1980 e 1990, tivemos iniciativas importantes dentro da CUT e do PT para inserir as demandas LGBTQIA+ no movimento sindical”, recorda o historiador e brasilianista James Green, um dos precursores do Movimento LGBTQIA+ no Brasil. Ele destaca o papel de militantes lésbicas e gays em sindicatos que ofereceram infraestrutura para as primeiras Paradas do Orgulho LGBT no Rio de Janeiro e em São Paulo.
No início dos anos 1980, as greves históricas lideradas por trabalhadores do ABC Paulista marcaram o auge da resistência ao regime militar. As paralisações, organizadas principalmente pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, denunciaram as precárias condições de trabalho, baixos salários e a repressão à organização sindical.
No 1º de maio de 1980, cerca de 50 gays e lésbicas marcaram presença em uma das manifestações da greve geral. Entre os panfletos distribuídos, destacou-se uma iniciativa do grupo Somos, que estabelecia conexão entre a luta do movimento homossexual e as reivindicações trabalhistas.
Green, que é professor da Brown University (EUA), ajudou a redigir o documento e relembra o episódio como um marco inicial na tentativa de inserir as pautas LGBT no diálogo com o movimento operário. Embora essa articulação não tenha gerado resultados imediatos, foi um importante passo na construção de alianças.
PEC 6×1
Protocolada no início de novembro, a PEC visa garantir o mínimo de dois dias de descanso semanal consecutivos para trabalhadores que atualmente têm direito a apenas uma folga após seis dias de trabalho.
“Essa PEC é sobre dignidade no trabalho. Trata-se de reconhecer que o descanso é essencial para a saúde física, mental e para a vida familiar e social dos trabalhadores brasileiros”, defendeu Hilton em discurso no Congresso Nacional.
A proposta rapidamente ganhou adesão popular e política: em menos de duas semanas, já havia coletado as 171 assinaturas necessárias para tramitar. Agora, segue para análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), antes de ser votada em dois turnos na Câmara e no Senado.
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entrarSe aprovada, ela poderá inaugurar um novo capítulo nas relações de trabalho no Brasil, mas os desafios são grandes. “As elites sempre resistem a mudanças que ampliem os direitos dos trabalhadores. Será necessário um esforço coletivo para garantir que essa proposta avance”, afirma James Green.
O advogado e escritor Renan Quinalha, autor de livros sobre a história do movimento LGBTQIA+ brasileiro, aponta a complexidade de criar uma norma que não agrave a informalidade no país.
“Nossa legislação trabalhista, que já é antiquada, enfrenta ataques constantes. Garantir direitos formais é importante, mas precisamos avançar em políticas públicas que combatam a informalidade e promovam a inclusão, especialmente de pessoas LGBTQIA+”, comenta.
Grupo LGBTQIA+ em protestos do movimento operário, em plena ditadura militar brasileira.
Foto: Comissão da VerdadeLideranças LGBTQIA+ ampliam agendas sociais
A PEC 6×1 não apenas fortalece a legislação trabalhista, mas também desmonta narrativas reducionistas sobre lideranças LGBTQIA+ (Erika Hilton é uma mulher trans, e Rick Azevedo é gay), mostrando que elas não se pautam apenas em questões identitárias.
“Muitas vezes, a luta LGBTQIA+ é vista como algo separado das questões trabalhistas, mas essa dicotomia é falsa. Lideranças como Erika mostram que a luta LGBTQIA+ é uma luta por uma sociedade mais justa para todos. Estamos falando de redistribuição de poder, de recursos e de oportunidades”, defende Quinalha.
O advogado acredita que a PEC 6×1 é um exemplo da importância de manter um olhar interseccional para as questões sociais. “Abordar a jornada de trabalho é, em última instância, uma forma de ampliar os direitos para todos os trabalhadores, especialmente os mais marginalizados”, fala.
James Green observa que os movimentos de trabalhadores e de pessoas LGBTQIA+ se encontram porque compartilham uma luta contra a opressão estrutural. “Tanto o trabalhador explorado quanto a pessoa LGBTQIA+ marginalizada enfrentam um sistema que os exclui de direitos fundamentais. Quando se unem, estão desafiando as mesmas hierarquias de poder que mantêm essas desigualdades”, diz.
É por isso que, para o historiador, a atuação de Hilton é um marco. “A liderança de uma mulher trans como Erika nessa proposta desafia estereótipos e demonstra como lideranças LGBTQIA+ estão ampliando suas agendas para incluir demandas de toda a classe trabalhadora. Essa luta não é nova, mas é revigorante ver esse protagonismo em 2024.”