Foto: Leon Neal/Getty Images
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violência

Golpes expõem falhas de segurança em aplicativos de encontro para gays

Após o assassinato de Leonardo Rodrigues Nunes, 24, na Zona Sul de São Paulo, diversos casos de gays que marcaram encontros via aplicativos de relacionamento e se depararam com emboscadas vieram à tona. Todos eles relatados em redes sociais.

De acordo com as vítimas, os criminosos geralmente aparecem em uma moto, levam celulares e outros objetos pessoais da vítima e fazem ameaças de morte para obterem as senhas dos dispositivos.

Na madrugada de 13 de junho, Leonardo sofreu o mesmo golpe, foi baleado e chegou a ser atendido no pronto-socorro do Hospital Ipiranga, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.

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No dia seguinte, uma de suas amigas usou o X (antigo Twitter) para recomendar que as pessoas não usassem mais o Hornet, devido à insegurança da plataforma.

Na mesma semana, um levantamento feito pelo g1, em São Paulo, contabilizou pelo menos nove roubos ou tentativas, desde fevereiro, sob o mesmo modus operandi daquele sofrido por Leonardo: a vítima conhece o pretendente via Hornet ou Grindr, é convidada para um encontro próximo ao Sacomã, mas, ao chegar no local, se depara com uma rua deserta e recebe voz de assalto.

Aplicativos não costumam ser responsabilizados

Em 2021, um caso similar chocou o Brasil. O serial killer José Tiago Correia Soroka marcava encontros via aplicativos de relacionamento, roubava e assassinava suas vítimas. Três homens gays perderam a vida – um em Santa Catarina e dois no Paraná.

Soroka foi preso em Curitiba, após uma das vítimas escapar. De acordo com o Ministério Público do Paraná, ele foi condenado a uma pena definitiva, com decisão transitada em julgado (ou seja, não cabe recurso) de 104 anos, 4 meses e 6 dias de reclusão, em regime inicial fechado.

“Não houve responsabilização criminal dos aplicativos por ausência de fundamentação legal, sem prejuízo de eventual pedido de reparação cível (indenização) por parte das famílias das vítimas”, informou o órgão.

O advogado Samuel Anderson Nunes, que faz parte da Comissão de Direito Digital e Proteção de Dados da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná, defende que embora as plataformas não sejam diretamente responsáveis pelos crimes, elas têm o dever de zelar pela segurança dos usuários, implementando medidas de segurança essenciais para prevenir crimes dessa natureza, como verificações de identidade efetivas, alertas de segurança e canais para denunciar comportamentos suspeitos.

O especialista também destaca que as plataformas têm a responsabilidade de educar seus usuários sobre os riscos associados ao uso de aplicativos de encontros, incluindo dicas de segurança e procedimentos para encontros presenciais.

Em sua visão, a falta de responsabilização direta pode diminuir os incentivos para que as empresas implementem e aprimorem medidas de segurança. “Se as plataformas souberem que não enfrentarão consequências significativas por falhas de segurança, podem optar por não investir o suficiente em tecnologias e políticas de proteção aos usuários. Da mesma forma, a falta de pressão legal pode resultar em esforços menos vigorosos para educar os usuários sobre riscos”, diz.

Para Nunes, a solução mais eficaz seria criar uma legislação específica que imponha certas obrigações às plataformas. “Isso pode incluir, por exemplo, a exigência de implementar medidas técnicas de segurança, oferecer suporte adequado às vítimas e colaborar com as autoridades durante as investigações”, acrescenta.

Com a repercussão do caso recente de São Paulo, os donos do aplicativo Hornet comunicaram que pretendem colaborar com as investigações e rever seus processos de segurança.

Atualmente, para fornecer um selo de verificação, a plataforma cobra R$ 4,90. O aplicativo realiza o processo de verificação por meio de inteligência artificial, comparando uma selfie tirada em tempo real às fotos que foram publicadas no perfil do usuário.

Dicas de segurança

Com o auxílio do advogado Samuel Anderson Nunes, a Diadorim selecionou algumas medidas de segurança que podem ser adotadas para prevenir cair em golpes após conhecer alguém via aplicativo. Confira abaixo:

Dicas de segurança nos aplicativos de relacionamento

  • Desconfie de perfis sem fotos ou com informações vagas. Use redes sociais e outras plataformas para confirmar que a pessoa é quem diz ser. Antes do encontro, faça uma chamada de vídeo e compare a imagem com o perfil. O vídeo tem de ser nítido, de perto, capaz de identificar a pessoa;
  • Marque os primeiros encontros em locais públicos e movimentados, como cafés, restaurantes ou parques. Evite encontros em locais isolados ou privados, como residências, até conhecer melhor a pessoa;
  • Informe um amigo ou familiar sobre o encontro. Compartilhe informações como o local, a hora e os detalhes da pessoa com quem você vai se encontrar, e avise sobre o encontro presencial. Utilize aplicativos que permitem compartilhar sua localização em tempo real;
  • Evite compartilhar informações pessoais sensíveis, como endereço, local de trabalho e detalhes financeiros, até ter certeza da confiança na outra pessoa;
  • Utilize as ferramentas de comunicação dentro do aplicativo antes de compartilhar seu número de telefone ou outras informações de contato. Muitos aplicativos têm recursos de segurança integrados que ajudam a proteger sua privacidade;
  • Se você se sentir desconfortável, se algo parecer errado ou suspeito, não hesite em cancelar o encontro;
  • Use as ferramentas de denúncia e bloqueio fornecidas pelos aplicativos. Se alguém se comportar de maneira inadequada ou suspeita, denuncie ao aplicativo para que a conta seja investigada e, se necessário, removida;
  • Esteja sempre informado sobre as melhores práticas de segurança e mantenha-se atualizado sobre notícias e alertas relacionados a aplicativos de encontros;
  • Não abuse de drogas e bebidas, respeite seus limites.

Caso segue em investigação

Em nota enviada à Diadorim, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que o Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa está ciente dos casos relatados e, no momento, realiza todas as diligências necessárias a fim de identificar e deter os autores dessas ocorrências.

Quanto ao caso de Leonardo, “o departamento instaurou um inquérito policial e está ouvindo familiares e amigos da vítima para coletar informações que auxiliem na investigação”, disse o órgão.

Na última sexta-feira (28 jun.), a Polícia Civil prendeu um dos suspeitos de assaltar jovens na região do Sacomã. O nome do homem não foi divulgado, mas ele chegou a ser conhecido por cinco vítimas. As investigações continuam.

O advogado Samuel Anderson Nunes explica que os aplicativos operam dentro de um arcabouço legal complexo, cuja regulação é objeto de grande discussão, e dificilmente serão responsabilizadas pelos crimes, a menos que haja prova de conivência ou negligência grave, ou até mesmo em casos de obstrução da justiça – quando deixam de cooperar fornecendo as informações necessárias para as investigações.

O Ministério Público de São Paulo assegurou que não recebeu comunicação formal dos fatos envolvendo o Hornet e o Grindr. “O MPSP vai verificar junto às autoridades policiais se os aplicativos estão obstruindo informações para o deslinde dos casos.”

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