Conservadores propõem 17 projetos de lei contra banheiros sem gênero
Em 2021, 17 propostas entraram em tramitação em assembleias de 11 estados, como mostra um levantamento feito pela Diadorim
Medida antidiscriminatória que vem sendo adotada em alguns locais do Brasil na última década, os banheiros sem gênero – ou unisex e multigênero – se tornaram um novo alvo de partidos conservadores nas assembleias legislativas do país. De janeiro a dezembro de 2021, 17 propostas entraram em tramitação em 11 estados, como mostra um levantamento feito pela Agência Diadorim.
A “cruzada” proibitiva é liderada por partidos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). O antigo PSL (atual União Brasil) tem cinco projetos propostos. Seguido do Republicanos, com quatro, e do PP e PL, ambos com um.
A maioria dos textos impõem regras a espaços públicos em geral. Apenas uma das propostas é exclusivamente voltada a escolas (tanto públicas quanto privada) – ela foi apresentada pelo deputado estadual do Rio de Janeiro Felippe Poubel (União Brasil), que no início de janeiro foi acusado de agressão dentro da boate da qual é sócio em Cabo Frio, na Região dos Lagos.
Os dados apurados pela Diadorim mostram também que Sudeste e Nordeste são as regiões com maior número de PLs deste tipo – seis e cinco, respectivamente. São Paulo e Rio de Janeiro lideram a lista de estados, com três projetos cada um. Depois estão Pernambuco e Paraná, com dois.
Um dos projetos mais proibitivos é do deputado estadual pernambucano Alberto Feitosa (PSC). Ele exclui por completo a possibilidade de pessoas trans e travestis usarem banheiros em espaços públicos e privados do estado. “Proíbe a entrada em banheiros de uso exclusivo para o sexo masculino e feminino por transgêneros”, diz o texto.
Ainda de acordo com o levantamento da reportagem, houve um crescimento representativo em novembro no número de projetos de lei contra banheiro unissex apresentados às assembleias (veja gráfico abaixo). Naquele mesmo mês, a McDonald’s de Bauru, no interior de São Paulo, foi notificada pela prefeitura da cidade por ter adotado o conceito de banheiro multigênero no estabelecimento. Uma cliente, insatisfeita, havia filmado os espaços e publicado o vídeo nas redes sociais, reclamando que se tratava de uma ação “comunista”.
O Código Sanitário de Bauru exige que os sanitários sejam divididos entre “masculino” e “feminino”. O caso ganhou repercussão nacional.
De olho nos votos
Na opinião da pesquisadora Josefina Cicconetti, assuntos sobre identidades de gênero e direitos das pessoas LGBTI+ são sempre utilizados por partidos de direita e extrema direita como uma forma de manter ativa sua base política, pautada por valores conservadores.
Cicconetti é doutoranda em Estudos de Gênero pela Universidade Nova de Lisboa, mestra em Filosofia pela USP e especialista em Políticas Públicas de Direitos Humanos pelo IPPDH (Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos). Para ela, no caso do Brasil, houve uma ascensão dessas pautas conservadoras nos últimos anos, especialmente a partir das eleições de 2018 – o que ela chama de “política antidireitos e contra diversidade sexual e de gênero”.
“Essa ofensiva antigênero também se vê refletida nos estados e municípios, nos projetos de lei estaduais em tramitação contra banheiros sem gênero, e na construção de campanhas eleitorais deste ano, em que vários candidatos têm abraçado esse discurso com fins eleitoreiros”, afirma.
A especialista explica que os banheiros são um exemplo da construção de fronteiras não só sexuais e de gênero, mas também sociais e urbanas. Por isso, para algumas pessoas, ir ao banheiro sequer é considerado um ato “normal”, “sobretudo para aqueles corpos que a sociedade qualifica e posiciona como estando fora do ‘padrão’ hetero(normal) e capacitista”.
“O banheiro é um espaço onde interseccionam diversas crenças, tabus e até certos moralismos sociais que abarcam desde questões de higiene e limpeza do espaço, passando por questões de segurança e assédio sexual, até chegar em ideias ou convicções preconceituosas com relação a multiplicidade de representações culturais presentes na sociedade”, comenta.
Embora ainda estejam em tramitação nas assembleias estaduais, sem garantia de aprovação, os projetos de lei podem prejudicar as demandas da população de forma geral e das pessoas com diversidade corporal, sexual e de gênero em particular. Segundo Josefina, essa pressão política desestimula, por exemplo, empresas a adotarem banheiros sem gênero, além de “desinformar a população, propagar e até incitar a violência e discursos de ódio como temos visto em todo o Brasil”. “Todos os casos em que os banheiros sem gênero, neutros, unissex ou multigênero foram alvo de controvérsias, o discurso é sempre excludente e de ódio.”