Foto: Agência Brasil/Acervo
justiça

Pessoas trans encarceradas se encontram em situação de fragilidade e vulnerabilidade

Embora justiça permita transexuais cumprirem pena em presídio de acordo com sua identidade de gênero, especialistas citam riscos a serem discutidos

Este artigo aborda a demanda de pessoas que possuem identidade de gênero diversa da designada no nascimento. Por esse motivo, sendo uma demanda pertencente aos direitos das minorias, o recorte temático é feito através do estudo da legislação nacional e internacional visando constatar a ocorrência de afrontas aos princípios constitucionais e supraconstitucionais em função do tratamento inadequado de travestis, mulheres transexuais e homens transexuais quando estes ingressam no sistema carcerário brasileiro.

O enfoque principal é o tratamento discriminatório dispensado a travestis, mulheres transexuais e homens transexuais no que se refere ao respeito de suas subjetividades — visto que esta parcela da população não tem seus direitos básicos respeitados, não havendo efetivação do direito à igualdade, por exemplo. Afinal, toda norma acarreta uma consequência jurídica em função de seu cumprimento ou não cumprimento. Por exemplo, um contrato de locação, se descumprido, acarreta a consequência jurídica de um processo de execução, ou, se cumprido, a continuidade do contrato.

Saiba mais

Em junho de 2019, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, através da ADPF 527, permitiu que transexuais cumpram pena em presídios de acordo com sua identidade de gênero. Em outubro do ano passado, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) também publicou norma semelhante, mas, no início deste mês, a resolução foi alterada, excluindo travestis do texto, seguindo a decisão de Barroso.

Em que pese a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527 representar um importante avanço no tangente ao tratamento conforme identidade de gênero, existe a necessidade de evidenciar uma demanda muito apagada, até mesmo dentro da militância LGBTI+. O texto assegura a integridade física e psicológica das mulheres transexuais e travestis enquanto inseridas no sistema prisional, entretanto, se aprovado tal como está, pode gerar risco à integridade de homens transexuais que porventura adentrarem ao cárcere.

Isto porque, ao afirmar que transexuais e travestis devem ser conduzidos para estabelecimento prisional conforme sua identidade de gênero, obviamente, tal medida para mulheres trans e travestis é de grande valia, pois elas, no sistema prisional masculino, sofrem as mais variadas violências. Porém, caso a identidade de gênero seja o único critério, tal afirmativa ocasionará o direcionamento de homens transexuais a presídios masculinos, que, apesar de condizer com sua identidade de gênero, iria colocá-los em situação de vulnerabilidade física.

A realidade é que em um sistema que preconiza a coisificação do ser, subdividindo e impondo padrões de conduta conforme atributos exteriores, sem levar em consideração as subjetividades de cada ser, está colocando o outro sempre em um ponto distante de si. O que é diferente, por consequência, é tido como algo abjeto e automaticamente segregado do convívio social.

O que se vê na realidade carcerária é a afloração mais transparente do que já ocorre em sociedade. A diferença é que em sociedade as pessoas transgêneras resistem e unem forças para lutar contra os abusos de uma sociedade cisnormativa, enquanto pessoas trans encarceradas se encontram em uma situação de extrema fragilidade e vulnerabilidade.

Para finalizar — e ainda considerando os indiscutíveis avanços trazidos pela ADPF 527 —, vale pontuar que a retificação documental do homem trans em particular não pode servir de impeditivo para proteção de seu corpo, afinal, por mais que se identifique com o gênero masculino, homens que não passam pela cirurgia de redesignação sexual possuem corpos estupráveis.

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Léo Paulino Barbosa

Bacharel em Direito. Ativista de Direitos Humanos, com ênfase em transgeneridades. Idealizador e coordenador do Transformações, projeto de capacitação profissional inclusão para pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Rebeka Villa Verde Futuro

Advogada, com experiência em Direitos Especiais.

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