Foto: Mídia Ninja
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jornalismo

Visibilidade bissexual: 10 boas práticas para um jornalismo anti-bifobia

Como o jornalismo brasileiro pode evitar a reprodução de estigmas e contribuir para uma visão mais justa e inclusiva da bissexualidade

Quem são as pessoas bissexuais? Onde vivem? De que se alimentam? Se você já leu alguma reportagem sobre bissexualidade produzida pela imprensa brasileira, infelizmente é bem provável que tenha se deparado com uma série de equívocos, preconceitos e abordagens exotificantes sobre a população bissexual.

Entre 2022 e 2023, realizei duas pesquisas exploratórias no Google para compor a minha dissertação de mestrado, que trata das intersecções entre jornalismo e bissexualidade. O meu objetivo era analisar, de modo preliminar, como as experiências bissexuais vinham sendo enquadradas pelos portais jornalísticos brasileiros. Constatei que 45,9% dos 98 conteúdos coletados correspondiam ao tipo “explicativo”, ou seja, tinham como finalidade apresentar a bissexualidade, na maioria das vezes de maneira distanciada e estigmatizante.

Também percebi que, em vez de ouvir fontes especializadas, como representantes do movimento bissexual brasileiro ou pesquisadores e pesquisadoras que estudam o tema há pelo menos 20 anos no Brasil, jornalistas costumam recorrer a informações superficiais, desatualizadas e muitas vezes incorretas. Pesquisas internacionais são frequentemente replicadas sem a devida contextualização ou contraponto de especialistas locais, o que reflete uma postura colonialista no jornalismo.

Essa abordagem não só reforça preconceitos como também prejudica a compreensão pública da bissexualidade. Sou uma defensora do papel social do jornalismo e penso que cabe à imprensa democrática abraçar o compromisso de fornecer informações precisas e respeitosas sobre a população LGBTQIA+, incluindo pessoas não-monossexuais, para garantir que a diversidade seja adequadamente representada.

Boas práticas

Vamos de reparação histórica? A seguir você confere 10 boas práticas mapeadas a partir da minha pesquisa inédita, ainda em processo de publicação, intitulada “Bissexualidade em pauta: caminhos para uma prática jornalística monodissidente”.

1. A bissexualidade não é binária

Conforme definição mais recente da Frente Bissexual Brasileira, pessoas bissexuais são aquelas cuja atração sexual e/ou afetiva não é determinada pelo gênero. Esse entendimento desmistifica a ideia binarista e reducionista de que as pessoas bissexuais seriam aquelas que se relacionam apenas com homens e mulheres cisgêneros. Na verdade, a bissexualidade é muito mais ampla e diversa do que isso.

2. Respeite a autodeterminação das fontes

Outro clichê do jornalismo brasileiro é deduzir a orientação sexual da fonte a partir de uma leitura sobre as relações que aquela pessoa já teve. Este é um grande equívoco que causa apagamentos históricos como o da bissexualidade de Marielle Franco, que por se relacionar com Mônica Benício, foi diversas vezes descrita como lésbica. A autodeterminação e de gênero está prevista na legislação brasileira como direito fundamental e deve ser respeitada. O mantra é: nunca presumir, sempre perguntar.

3. Evite estereótipos e exotificação

A bissexualidade é muitas vezes retratada como algo fora do “normal”. Para combater essa desinformação, é preciso fugir de termos sensacionalistas e de abordagens que tratem a bissexualidade como um fenômeno raro ou incomum. Ela deve ser apresentada com a mesma naturalidade que outras orientações sexuais.

4. Utilize fontes especializadas

Uma das principais falhas da imprensa é não buscar fontes adequadas para discutir a bissexualidade. É fundamental que os e as jornalistas consultem especialistas no tema, como pesquisadores e pesquisadoras que já estudam o tema há muito tempo. Sugiro enfaticamente o diálogo com a Rebim (Rede Brasileira de Estudos sobre Bissexualidade e Monodissidência) e a FBB (Frente Bissexual Brasileira).

5. Contextualize pesquisas estrangeiras

As realidades vividas por pessoas bissexuais no Brasil são diferentes das de outros países, especialmente dos grandes centros globais que costumam ser referência em pesquisas replicadas pela imprensa brasileira. Sempre que uma pesquisa internacional for mencionada, é essencial trazer um ou uma especialista no contexto brasileiro para fornecer seu contraponto. Isso ajuda a evitar a reprodução de narrativas colonialistas que desconsideram as particularidades do Brasil.

6. Aplique uma lente interseccional ao seu trabalho

A experiência de uma pessoa bissexual negra e periférica certamente é muito distinta da experiência de uma pessoa bissexual, branca e de classe média. É imperativo olhar para as questões de sexualidade e gênero sob uma lente interseccional, considerando as múltiplas camadas que atravessam uma vivência, como raça, classe e posição geográfica. As vozes das pessoas bissexuais precisam ser ouvidas em sua diversidade.

7. Reconheça a bifobia na prática jornalística

Vivemos em uma sociedade monossexista e muitos e muitas jornalistas podem não estar cientes de que suas abordagens são bifóbicas ou reforçam preconceitos. Por isso a conscientização sobre a bifobia e o monossexismo é essencial tanto nas etapas de formação, ainda nas universidades, quanto dentro das redações. 

8. Adote uma linguagem afirmativa

A maneira como falamos sobre bissexualidade importa. É fundamental utilizar termos que afirmem essa identidade e que sejam reconhecidos pelo movimento bissexual. Evitar termos como “confuso(a)” ou “indeciso(a)” para descrever pessoas bissexuais é crucial, pois essas expressões reforçam estereótipos prejudiciais. Em vez disso, os e as jornalistas devem focar na legitimidade dessa orientação sexual.

9. Nomeie a bifobia

Uma das maneiras de fazer um jornalismo anti-bifobia consiste em nomear a bifobia. É preciso escancará-la até que ela não seja mais normalizada. Sempre que possível, faça do jornalismo uma ferramenta de transformação social, agindo para que a bifobia seja evidenciada até que sejam criados mecanismos para combatê-la.

10. ‘Beijo gay’ não existe

“Beijo gay” e “maternidade lésbica” são alguns dos termos tensionados pelo movimento bi, porque colaboram para o apagamento bissexual, já que relações e demonstrações de afeto raramente são classificadas como bissexuais, ainda que as pessoas envolvidas se autodeclarem bissexuais. Você pode substituí-los por termos mais inclusivos como “beijo entre dois homens” e “dupla maternidade”.

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Jess Carvalho

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