‘Qual partido vai decidir dar voz e vez às mulheres e tirar o protagonismo dos homens?’
Para co-deputada pernambucana, ocupação dos espaços institucionais por mulheres exige disputa prévia dentro das legendas partidárias
O 8 de Março é celebração, mas também é reivindicação na luta por espaço e por respeito ao direitos das mulheres. Já tivemos algumas conquistas, mas o caminho é ainda bem longo para que tenhamos uma equidade plena do gênero, seja dentro da política ou fora dela. Temos uma sociedade machista, misógina e patriarcal, e se faz mais do que urgente reivindicar este espaço político que deveria ter sido nosso e nunca foi.
No contexto político mesmo se evidencia essa exclusão, porque temos 52% do eleitorado brasileiro compostos por mulheres, mas menos da metade das cadeiras parlamentares são ocupadas por elas. Estamos falando de uma discrepância que mostra que o sistema representativo, que deveria representar a diversidade do gênero proporcionalmente, não o faz. Afinal, se as mulheres são maioria na sociedade, em tese deveriam ser maioria na política regida pelo sistema representativo. Na Câmara dos Deputados e Deputadas, por exemplo, a expressividade das mulheres é somente 15% (todas cis), e no Senado, somente em 2016 foi construído o primeiro banheiro feminino.
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Ainda hoje enfrentamos dificuldades dessa inserção. A eleição de 2020, por exemplo, deixa isso bem evidente quando o resultado das urnas define que somente 16% das prefeituras municipais serão geridas por mulheres no período 2021-2024. E quando falamos no poder legislativo municipal, muitas câmaras não têm nem sequer uma única vereadora mulher eleita, para pautar os direitos das mulheres no parlamento municipal.
Isso traz a necessidade de pensarmos em transformações no sistema político para inserir mais mulheres neste contexto, porque existem outras possibilidades de vivências para além daquelas que a sociedade nos coloca como única opção: de ser dona de casa, recatada e do lar.
Por outro lado, trazendo o recorte transexual e travesti, tivemos um números expressivo de candidaturas, com o total de 30 candidaturas transexuais e travestis eleitas, e, em alguns casos, sendo a candidatura mais votadas no município, como ocorreu com Duda Salabert (PDT), em Belo Horizonte, e Linda Brasil (PSOL), em Aracaju.
Isso é um sinal que estamos aqui para ocupar espaços, tanto nas prefeituras quanto nas câmaras municipais e nas assembleias legislativas ou na Câmara dos Deputados. E as que não querem se candidatar devem fazer essa incidência votando em mulheres, mas votando em mulheres que realmente levem para discussão as pautas do movimento feminista, e não votar em mulheres que reforcem o machismo e a misoginia nessa política institucional.
Por outro lado, a ocupação desses espaços institucionais exige uma disputa prévia dentro das próprias legenda partidárias, pois a legislação eleitoral é bem evidente quando estabelece que a candidatura deve ser precedida a uma filiação partidária. Então, diante disso, fica o questionamento de qual é o partido que vai realmente apoiar essas mulheres, principalmente mulheres negras, sejam elas cis ou trans, e não vai deixá-las como laranja.
Qual será a legenda partidária que vai decidir dar voz e vez às mulheres e tirar o protagonismo dos homens? Porque uma travesti preta a mais na política é um homem branco cisgênero a menos. Qual é o partido político que está realmente disposto a comprar essa briga?
Essa disputa dentro do partido é fundamental quando se deseja ocupar a política institucional, seja na esfera municipal, estadual e federal, do executivo ou do legislativo, para uma política verdadeiramente representativa e que traga uma real equidade no gênero.
Robeyoncé Lima
Co-deputada estadual, integrante da mandata coletiva das Juntas (PSOL-PE). Primeira advogada travesti de Pernambuco.