

O juiz Mário Soares Caymmi Gomes, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), pediu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a suspensão do processo que resultou em sua aposentadoria compulsória. Ele foi punido após criar um edital de estágio exclusivo para LGBTQIA+, preferencialmente negras, que foi anulada pelo tribunal. O magistrado alega preconceito e questiona a imparcialidade do julgamento.
“Dediquei três vagas de estágio para alunos e alunas de Direito apenas para a população travesti, transgênero e não binária, de preferência preta, declarando que não iria contratar ninguém heterossexual”, conta Gomes. Segundo ele, a política afirmativa foi proibida pelo então corregedor-geral do TJBA, desembargador José Edivaldo Rocha Rotondano, sob a alegação de preconceito e falta de razoabilidade.
A defesa do juiz argumenta que o TJBA não tem imparcialidade para julgá-lo e que o processo foi conduzido com o objetivo de puni-lo. No pedido ao CNJ, são citados trechos da sessão de julgamento que indicariam um pré-julgamento. Segundo a defesa, 16 desembargadores anteciparam votos pela aposentadoria compulsória antes mesmo da votação sobre a procedência do PAD.
“Uma desembargadora diz que não teve acesso aos autos, mas vota pela minha aposentadoria. Outra afirma que sou o mal que o TJBA deixou crescer. Um desembargador justifica seu voto na minha aposentadoria dizendo que professa religião judaico-cristã”, relata Gomes, que classifica o caso como “homofobia institucional”. O juiz é gay.
O PAD foi instaurado depois que o juiz criticou publicamente a suspensão do edital de estágio. Em maio de 2023, durante uma palestra sobre empregabilidade trans promovida pela Comissão de Diversidade da OAB-BA, ele apontou contradições no tribunal: “A Corte Baiana criou uma comissão LGBTQIA+ presidida por um homem gay, mas veda iniciativas voltadas à inserção de minorias transgênero e não binárias no mercado de trabalho.”
Além disso, em uma entrevista a uma rádio, o juiz voltou a tratar do caso e criticou a postura da corregedoria ao suspender o edital, porque, segundo ele, a determinação partiu de “um corregedor que é gay, ainda que ele não se assuma”. “Isso não é fofoca. Tem a ver com o caso. Sei que ele é gay, pois ele teve caso com meu marido, antes de ele me conhecer”, afirmou.
Trechos de sua fala foram divulgados em redes sociais. “Com base nessa edição ilegal, foi instaurada de maneira urgente uma sindicância para apuração de falta disciplinar, que durou apenas 40 dias e para a qual não fui sequer validamente intimado”, afirma. “Logo em seguida, instaura-se um PAD que dura um ano e acabou por me aposentar compulsoriamente do cargo de juiz de direito.”
A defesa do magistrado contesta a legalidade da punição e critica a celeridade do julgamento: “A velocidade com que tramitou esse expediente é curiosa, mas principalmente os argumentos usados para aplicar a penalidade máxima. Há mentiras sobre supostas penalidades que recebi antes, o que contraria a certidão nos autos”, diz Gomes. O documento da defesa, assinado por sua advogada, a mulher trans Amanda Souto Baliza, aponta que a punição foi aplicada sem que houvesse precedentes disciplinares contra ele.
Em 29 de janeiro de 2025, o TJBA decidiu, em sessão sigilosa, aposentar compulsoriamente o juiz Mário Caymmi Gomes, com 42 votos favoráveis. A aposentadoria compulsória é a sanção administrativa mais severa aplicada a juízes vitalícios, conforme previsto na Lei Orgânica da Magistratura.
Agora, o pedido do magistrado aguarda análise pelo CNJ. O caso gerou debates sobre inclusão e diversidade no Judiciário, além de levantar questões sobre os limites da liberdade de expressão e a conduta esperada de magistrados.