Protesto na Venezuela, em 30 de jul. de 2024. Foto: Isaac Urrutia/Reuters
Protesto na Venezuela, em 30 de jul. de 2024. Foto: Isaac Urrutia/Reuters
internacional

‘Total desamparo’, diz ativista LGBTQIA+ sobre crise política na Venezuela

Integrante do Movimento LGBTQIA+ venezuelano denuncia repressão no país pós-eleições

Integrantes do Movimento LGBTQIA+ na Venezuela afirmam que têm sido reprimidos após as eleições em 28 de julho, pleito que reelegeu Nicolás Maduro em um processo contestado. “A situação é de total desamparo”, denuncia um ativista que pediu para não ser identificado por medo de retaliações.

Em entrevista à Diadorim, o homem conta que militantes contestadores do resultado das eleições, incluindo membros do Movimento LGBTQIA+, tornaram-se alvo de prisões, tortura psicológica, tentativas de sequestro e perseguições conduzidas por forças de segurança do governo e grupos paramilitares, conhecidos como “coletivos”.

“Esses grupos agem livremente, praticando detenções e sequestros à luz do dia. São uma ameaça especialmente grave para a comunidade LGBTQIA+, que já vive em situação de extrema vulnerabilidade”, conta o ativista. 

De acordo com ele, grupos armados, formados por apoiadores de Maduro, têm realizado prisões arbitrárias, invadido residências e intimidado os que se manifestam contra o governo.

A Diadorim procurou a embaixada da Venezuela no Brasil para comentar as denúncias, mas não conseguiu contato até a publicação deste texto.

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Nova lei sancionada

Segundo o entrevistado, a crise é marcada por casos de violação de direitos humanos. Ele cita a detenção de Yendri Velasquez, ativista do Observatório Venezuelano de Violências LGBTQIA+, que foi impedido de embarcar em um voo internacional e levado à sede do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN), onde teria sofrido tortura psicológica.

“Yendry estava a caminho de Genebra para participar de uma sessão sobre discriminação racial na ONU quando foi detido no aeroporto de Maiquetía”, relata. Ele conta que, após sete horas de interrogatório, o homem foi liberado, mas seu passaporte foi anulado.

O episódio também foi noticiado por veículos de imprensa

Outro caso envolveu o ativista Koddy Campos, que teria sido alvo de uma tentativa de sequestro em sua casa, em 9 de agosto, por um grupo de homens armados e encapuzados. A ação foi transmitida ao vivo no Instagram por mais de uma hora. Koddy, no entanto, não foi detido.

No dia 13 de agosto, o dirigente chavista Diosdado Cabello negou que houvesse operação policial naquele local e acusou Campos de encenar o episódio. “Puseram um capuz em alguém como se fosse membro de organismo de segurança”, disse.

Dois dias depois, em 15 de agosto, a Venezuela sancionou a Lei de Fiscalização, Regularização, Atuação e Financiamento das Organizações Não Governamentais. De acordo com o entrevistado da Diadorim, ela permite o fechamento de ONGs que atuem contra o governo e impõe multas elevadas e sanções que inviabilizam o trabalho de associações civis.

“Estamos em uma situação de total desamparo. As promessas do governo nunca foram cumpridas, e a comunidade LGBTQIA+ continua sem acesso a direitos fundamentais”, reclama.

Futuro para LGBTQIA+

De acordo com o ativista, um pequeno grupo de militantes LGBTQIA+ ainda apoia Maduro, embora sem autonomia. A repressão pós-eleitoral, no entanto, acrescenta, fez muitos líderes do movimento do país, anteriormente próximos ao governo, romperem com o presidente. 

“Pela primeira vez, partidos de oposição e ativistas LGBTQIA+ se uniram em torno de uma agenda comum, que busca uma mudança real no país”, afirma.

Ele também critica a influência crescente das igrejas evangélicas no governo de Maduro, que, na sua opinião, têm feito pressão contra os direitos LGBTQIA+. “Essas igrejas estão alinhadas ao regime e têm representantes em várias esferas do poder público, o que dificulta ainda mais nossa luta por direitos”.

Em relação à oposição, o ativista lamenta a falta de propostas específicas da candidata María Corina Machado para a população LGBTQIA+ e afirma que há traços conservadores da campanha dela, ligados à tradição católica da sociedade venezuelana. “Há muitos desafios pela frente, especialmente no que diz respeito à família heteropatriarcal”, avalia.

Apesar disso, ele pondera que a eleição de Machado poderia abrir caminho para um diálogo sobre direitos humanos.

“Ela não tem uma agenda LGBTQIA+ clara, mas o que o país mais precisa agora é de uma transição democrática. Isso é o mais urgente”, afirma. 

Atenção internacional

Desde 28 de julho, diante do impasse na Venezuela, o Brasil tem cobrado ao país vizinho a divulgação das atas com os resultados da votação. O governo Lula defende que a credibilidade do processo eleitoral depende da transparência dos dados.

Nesta quinta-feira (12 set.), 49 países pediram na ONU às autoridades venezuelanas que publiquem “imediatamente” os resultados das eleições e permitam a “verificação imparcial” dos dados.

Na terça-feira (10 set.), o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) pediu ao governo de Maduro a libertação das pessoas presas arbitrariamente e o fim da repressão.

No início de agosto, movimentos populares brasileiros assinaram um manifesto conjunto em defesa da paz na Venezuela. Entre eles, a AGBLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), uma das maiores organizações LGBTQIA+ do país.

De acordo com o grupo, a extrema direita, “articulada e financiada pelo imperialismo estadunidense, não reconheceu os resultados das urnas e está provocando desestabilização, utilizando o velho método violento das ‘guarimbas’ nas ruas, convocadas pelos setores oposicionistas ao chavismo no país”.

No final de agosto, a Diadorim procurou o presidente da ABGLT Victor de Wolf para comentar a situação de militantes LGBTQIA+ venezuelanos. Wolf afirmou que tem “acompanhado a situação da Venezuela com muita preocupação”.

De acordo com o presidente da ONG, “além de ser um país vizinho, o que acaba sempre impactando nas questões de migrações forçadas, também nos preocupa a situação de possíveis perseguições políticas contra a comunidade LGBTI venezuelana”. “Porém, até o momento, não chegou ao nosso conhecimento nenhuma situação específica como a relatada. Apenas temos lido e acompanhado pela imprensa estas questões.”

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