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Wagner e Henrique. Foto: Arquivo pessoal
direitos humanos

‘10 anos de história’: quem é o casal vítima de homofobia em papelaria de SP

Wagner e Henrique buscam responsabilização cível, administrativa e criminal do Jurgenfeld Ateliê

Na segunda passada (22 abr.), o produtor de eventos Henrique Nascimento, 29, e o empresário Wagner Cardoso, 38, viveram um dos momentos mais constrangedores de suas vidas. Eles estavam orçando um convite de casamento via Instagram quando foram vítimas de ataques homofóbicos. Ao contatar o Jurgenfeld Ateliê, que se autointitula uma “papelaria cristã”, Henrique recebeu como resposta: “Nós não fazemos convites homossexuais”. 

A primeira reação do casal foi pedir uma abordagem mais profissional da empresa. Em seguida, a papelaria foi ao Instagram acusar os clientes de “heterofobia”.

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“Hoje chegamos ao nosso ápice”, escreveram Thiago e Beatriz, os donos do Jurgenfeld Ateliê. “Não aguentamos mais ter que aguentar tantas críticas e questionamentos sobre o fato de não realizarmos casamentos ou eventos homossexuais”, continuaram, pontuando: “Na nossa empresa acreditamos na família como ela é”.

No dia seguinte ao crime, o casal prestou depoimento à Polícia Civil, que investiga o caso. A deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) oficiou o Ministério Público de São Paulo exigindo investigações.

Assessorados pelo escritório Pires Iotti, o casal vai entrar com um processo cível, pedindo danos morais, e outro criminal, requerendo a responsabilização pelo crime de homofobia, contra os proprietários da loja virtual. Eles também vão acionar o Procon-SP e a Secretaria de Justiça.

Em entrevista à Diadorim, Henrique e Wagner comentam a repercussão do caso e garantem: o casamento será realizado em setembro do ano que vem, agora com ainda mais brilho. 

DIADORIM — Uma semana depois, quais foram as principais repercussões do caso?
HENRIQUE NASCIMENTO —
Chegou o posicionamento da Érika [Hilton] e da Amanda [Paschoal, ativista], com o pedido de investigação ao Ministério Público de São Paulo. No dia 23, um dia depois do ocorrido, logo na parte da manhã, a gente também recebeu uma ligação da Ivalda Aleixo, delegada de polícia que é diretora da DHPP [Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa] de São Paulo. Ela acionou a gente pedindo o nosso depoimento. E os veículos de comunicação vieram procurar a gente para saber como é que foi.

DIADORIM — Vocês receberam algum retorno das autoridades policiais?
HENRIQUE —
Ainda não, sabemos apenas que está em investigação.

DIADORIM — E o pessoal do serviço de convites para casamento, entrou em contato com vocês de novo?
HENRIQUE —
Não, nada, nada, nada.

DIADORIM — Vocês decidiram entrar com processo? 
HENRIQUE — Sim, a gente vai entrar na frente administrativa, cível e criminal. Na administrativa, buscando a parte de conscientização e fortalecimento da lei. Quando a gente vai numa delegacia, por exemplo, e vê que nem o próprio escrivão tem conhecimento dessa causa, a gente percebe que a parte administrativa precisa de um reforço da importância do cuidado com esse tipo de abordagem. Na parte criminal, buscamos a responsabilização pelo crime de homofobia que foi cometido. A gente não está muito focado na parte cível, que é a parte de dinheiro e danos morais. A nossa preocupação é que eles sejam responsabilizados pelo crime que cometeram. A gente quer ver que alguma coisa foi feita, seja a aplicação de algum tipo de penalidade, algum cumprimento de obrigação perante a sociedade, por parte da empresa, já tranquiliza a gente.

DIADORIM — Vocês já tinham recebido alguma negativa de algum outro serviço por serem gays?
WAGNER CARDOSO —
O Henrique tem feito todos os orçamentos porque ele fica mais tempo no celular, coisa e tal, mas até então a gente não tinha recebido nenhuma devolutiva com esse aspecto tão negativo. No entanto, depois que o caso veio à tona, nós recebemos muitas mensagens de pessoas que passaram por situação igual ou pior, inclusive em relação à mesma empresa. Nós recebemos um depoimento aqui no nosso Instagram de uma mulher que fez pedido de convite e fotografia para eles, e ela falou que passou pela mesma situação — no entanto, ela falou que ficou tão constrangida que a reação dela foi pedir desculpa, porque parecia que era ela estava causando o constrangimento. Por mais estranho que seja, foi o que aconteceu. Ela nos chamou no Instagram para dizer que estava de alma lavada, porque o constrangimento que ela passou foi enorme e muito velado. 

DIADORIM — Vocês também trabalham com eventos, né? 
WAGNER —
Trabalhamos! É o que mais me chocou, porque na verdade quando ela mandou essa mensagem para gente, eu não quis causar nenhum alvoroço. Eu mandei uma mensagem para ela dizendo: “Moça, pelo amor de Deus, não faz uma coisa dessa. Você lida com o público. Busca uma ajuda. Busca uma pessoa que trabalhe com marketing e tenha uma metodologia diferente. Inventa uma desculpa, inventa uma demanda, qualquer coisa. Esta é a coisa mais amadora que eu já vi na minha vida. Não faz isso, pelo amor de Deus, você é microempresária, eu também sou e tenho dificuldade de me estabelecer no mercado. Você tem a oportunidade na mão e me dá uma resposta dessa… O mundo não é o quintal da casa de vocês.” Essa foi a nossa devolutiva. Quando eu falei isso para ela, eles foram lá e fizeram uma nota de repúdio ao meu repúdio. É tão bizarro, seria cômico se não fosse trágico, porque a nossa primeira reação foi pensar que não podia ser realidade esse amadorismo puro. 

DIADORIM — E como vocês estão se sentindo depois de o caso alcançar essa visibilidade toda?
WAGNER —
Eu não leio nenhum comentário. Se tiver me xingando ou elogiando, eu não vou ver. Até hoje não vi o vídeo, só um pedaço, porque foi tão escroto que acabei acompanhando de forma fragmentada. Mas eu sinto uma sensação de que a gente dá 10 passos para frente e 15 para trás. Parece que você está nadando, nadando, nadando e vai morrer na praia. É a primeira sensação que eu tenho. Tantas coisas mais importantes, né? No mesmo dia que isso aconteceu, eu li quatro reportagens chocantes, e aí fiquei pensando: ‘Desde quando matar alguém é menos importante do que um convite de casamento?’ 

HENRIQUE — É assustador perceber que uma reação a um convite de casamento não feito choca mais. A gente vê que as pessoas não entenderam a questão, levaram para um lado de religiosidade, que não era a pauta. A gente não estava pedindo a benção pelo nosso casamento ou que eles conduzissem a cerimônia. Então, é chocante ver como a negativa de um convite de casamento com uma abordagem criminosa choca mais do que outras questões que a gente tem tão evidentes no nosso país.

Mensagem enviada pela papelaria, recusando o serviço de “convites homossexuais”.

Imagem: Reprodução

DIADORIM — Como estão os planos para o casamento?
WAGNER —
Vai ser em setembro do ano que vem! Eu não posso acreditar que a opinião direta de duas pessoas é maior do que 10 anos de história. Desde que a gente se conheceu, não se separou mais. O peso dessas pessoas não é maior do que quem eu sou e o que eu sinto. É só… Sabe aquela parte triste do filme que aparece para fortalecer a história? Então, se Deus quiser, ano que vem a gente está se casando e vai ser lindo. Eu acho que vai ser mais esperado ainda, eu acho que deu esse gás, sabe? Essa coisa de: vão ter que engolir!

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