‘Campanhas sobre HIV/Aids precisam chegar aos jovens de hoje’, afirma infectologista Rico Vasconcelos
Para médico, campanhas em redes sociais com artistas teriam mais impacto entre jovens
O boletim epidemiológico divulgado neste mês de dezembro pelo Ministério da Saúde revelou que jovens entre 15 e 24 anos são maioria da população com vírus HIV, somando 102.869 dos casos. Neste grupo, 25,2% correspondem a pessoas do sexo masculino e 19,9% a pessoas do sexo feminino. Nos casos de Aids, a faixa etária mais afetada é a de 25 a 39 anos, com porcentagem de 51,7% dos casos do sexo masculino e 47,4% dos casos do sexo feminino.
Ainda de acordo com a estimativa do Ministério, em 2021 havia 960 mil pessoas vivendo com HIV/Aids no país. No ano passado, foram registrados 40,8 mil casos de HIV e 35,2 mil casos de Aids. Cerca de 727 mil estão passando por tratamento.
Diante dos resultados, o Ministério da Saúde lançou em 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta contra a Aids, uma nova campanha de conscientização com o tema “Quanto mais combinado, melhor!”. O objetivo é fortalecer as estratégias de conscientização e informação desse público em relação às forma de prevenir.
Em 8 de dezembro, uma reportagem da Diadorim mostrou que corte no orçamento do governo federal pode afetar a continuidade de política públicas de enfretamento a HIV/Aids. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) elaborado pela gestão Jair Bolsonaro (PL) para 2023 prevê um corte de R$ 407 milhões na verba de prevenção, controle e tratamento da doença e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Seria uma redução de 17,4% na comparação com o montante previsto para este ano, aponta um levantamento do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps). A medida pode afetar a compra de insumos de prevenção e a inclusão de medicamentos mais modernos, avaliam entidades.
“O Ministério precisa é fazer campanha, fazer o conhecimento mais atualizado de prevenção e testagem do HIV. [Que esse trabalho] Chegue para todo mundo, principalmente para aqueles que são os mais vulneráveis, que são os homens e jovens, são as mulheres trans. E isso é falar sobre uma coisa que foi um absoluto tabu nos últimos quatro anos, que é a sexualidade”, afirma o infectologista Rico Vasconcelos, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que trabalha com de tratamento e prevenção de infecções sexualmente transmissíveis e com pesquisas clínicas com Profilaxia Pré Exposição (PrEP). “A gente sabe que o que o Ministério da Saúde dizia nesses últimos quatro anos era que a prevenção é uma coisa que as pessoas têm que aprender em casa. Deu no que deu, aumentou o número de casos entre homens jovens gays.”
Confira a entrevista com Rico Vasconcelos:
Agência Diadorim — Por que os jovens estão sendo mais afetados pelo HIV no Brasil?
Rico Vasconcelos — Bom, essa pergunta é bastante complexa, né? Ela não tem uma resposta única. Isso é um fenômeno que está acontecendo já faz mais de 10 anos e não é só no Brasil, isso é uma coisa que acontece no mundo todo e é absolutamente multifatorial. Eu não vou te dizer que é porque hoje em dia tem aplicativo de encontro que não tinha há dez anos nem vou dizer que é porque, sei lá, existe uma cultura da hipersexualização do jovem e do corpo do jovem por causa do funk. Nem vou dizer que é porque existe mais liberdade sexual hoje. Mas eu prefiro te dizer que tudo isso deve ter um papel. Eu acho a melhor maneira de responder essa pergunta é: por que os jovens de hoje estão pegando mais HIV do que os jovens de 10, 20 anos atrás? Na minha opinião, é porque os jovens de hoje são os jovens de hoje, que vivem no mundo de hoje. E tenho a impressão de que esses 10, 20 anos se passaram e a gente continua falando a mesma coisa que falava há 10, 20 anos.
O infectologista Rico Vasconcelos
Foto: ReproduçãoDIADORIM — As políticas públicas de enfrentamento ao HIV no país não estão sendo suficientes?
VASCONCELOS — Quando a gente olha o boletim epidemiológico tem algumas coisas que ficam evidentes. A primeira delas, pra gente não se equivocar, é que no Brasil a gente só começou a notificar os casos de infecção por HIV em 2014. Antes disso, somente o estado de São Paulo fazia essa contagem. Boa parte das informações que a gente tem ali retratadas, no boletim epidemiológico, em séries históricas longas, não são dados referentes a infecção por HIV, mas dados referentes a notificação de Aids, que era a única coisa que era notificada.
Quando a gente olha os casos de Aids, pessoas que adoeciam por conta da infecção HIV, em todas as faixas etárias das mulheres, por exemplo, você percebe que nos 10 anos que se passaram a gente tem uma desaceleração da epidemia, e quando a gente fala de homens a partir de 30 de idade, tem essa desaceleração [dos casos de Aids] igual à das mulheres. Já quando a gente olha os [homens] mais novos do que os 30 anos de idade, a gente tem uma tendência de aceleração, a gente tem mais jovens sendo notificados com Aids por 100 mil habitantes hoje do que há 10 anos.
Isso me faz pensar que as políticas públicas de enfrentamento do HIV do país estão sendo apenas parcialmente eficientes. Para alguns subgrupos elas estão sendo ótimas e a gente tem uma epidemia que está esfriando. Para outros a gente tem uma epidemia que está acelerando o ponteiro do velocímetro. Então a gente tem um mosaico, né? Isso é muito ruim porque justamente aqueles entre os quais as políticas não estão funcionando, os mais jovens, são o futuro do país. Falei isso numa entrevista outro dia, que isso é igual você ter uma guerra num país que acaba cometendo de maneira bem mais pesada os mais jovens, que são aqueles que potencialmente farão o país crescer, gerar riquezas, pagarão impostos, terão filhos, né? Se esses são os mais acometidos por uma infecção que quando não tratada pode levar a pessoa à morte, isso é muito, muito ruim para um país.
DIADORIM — O que o Ministério da Saúde precisa fazer para fortalecer esse enfrentamento
VASCONCELOS — Eu retomo à primeira pergunta e digo que os jovens de hoje são jovens, jovens são vulneráveis, sempre foram, no século passado, há 50 anos e são hoje ainda. É necessário entender que quando o mundo muda e aumentam ainda mais as possíveis vulnerabilidades às quais eles podem estar submetidos, a gente tem que mudar também a maneira de se comunicar com eles. Então um discurso monotemático de “use camisinha” talvez não esteja mais funcionando para eles, sobretudo quando a gente tem uma ausência de campanhas.
A gente lembra que até 2019 o Brasil tinha uma campanha grande de prevenção, que era publicada no Carnaval, que era utilizada ao longo do ano, e outra grande campanha de prevenção que era realizada em dezembro, Primeiro de Dezembro e Dezembro Vermelho, que eram utilizadas até o Carnaval. A gente tem, ao longo da história do Brasil, uma série de exemplos de campanhas super bem feitas, inteligentes que instigavam, que faziam o público-alvo pensar, que incluíram diferentes tipos de público-alvo, campanhas inteligentes bacanas, comunicativas, mas que a partir de 2019 simplesmente deixaram de existir. Dessa maneira eu acredito que nos últimos quatro anos a gente teve jovens, que são os que mais pegam HIV e adoecem por AIDS, largados no tempo, na chuva. Então é de se esperar que os mais vulneráveis sempre serão os mais acometidos. É o que a gente percebe, por exemplo, na distribuição por categoria de exposição do boletim epidemiológico, que a gente tem 80% dos novos casos de infecção por HIV (não AIDS), no ano passado, entre gays. Entre homens gays, 18,4% já são infectados por HIV, enquanto na população geral, que tem a sua grande maioria heterossexual, tem uma prevalência que está estacionada em torno de 0,4%. Isso só para exemplificar que os mais vulneráveis sempre vão ser os que vão se dar mal quando a gente deixa eles soltos no tempo, na chuva.
Só tem um grupo mais vulnerável do que homem gay, que é o de mulheres trans e travestis. Que essas já têm a prevalência que passa de 30%, e é um escândalo o Brasil ter números tão altos assim, sendo que a gente tem estratégias de prevenção que vão muito além da camisinha, e estão disponíveis no SUS. Disponível não quer dizer que ela está chegando à população que mais se beneficiaria disso. São exemplos dessas estratégias a Prep (Profilaxia Pré-Exposição) e a Pep (Profilaxia Pós-Exposição).
A gente vê que desde que a PREP chegou ao SUS, em 2018, os que mais acessaram foram os homens cisgênero, gays, com alta escolaridade, de grandes centros e brancos, e é por isso que você vê que são os homens mais velhos, aqueles que tem uma desaceleração da epidemia. Enquanto os mais jovens, que não estão sendo contemplados por essas campanhas de prevenção e por essas novas tecnologias de prevenção, são eles os mais vulnerabilizados e que têm, portanto, uma epidemia que acelera.
Então acho que o que o ministério precisa é fazer campanha, fazer com que o conhecimento mais atualizado de prevenção e testagem do HIV chegue para todo mundo, principalmente para aqueles que são os mais vulneráveis, que são os homens jovens e as mulheres trans, e isso é falar sobre uma coisa que foi um absoluto tabu nos últimos quatro anos, que é a sexualidade. A gente sabe que o Ministério da Saúde dizia, nesses últimos quatro anos, que a prevenção é uma coisa que as pessoas têm que aprender em casa. Deu no que deu, aumentou o número de casos entre homens jovens gays. Então pra começar, a gente tem que olhar pros jovens, dialogar com eles, chegar neles, com as campanhas. Para isso, a gente tem que fazer campanhas, e não é qualquer campanha, é uma campanha que consiga chegar no jovem de hoje, e não no jovem de 20 anos atrás. Talvez falar de Prep e Pep para esse jovem de hoje com vídeo de TikTok, utilizando a Pabllo Vittar, ou a Anitta, ou a Ludmila, ou um influencer digital, tenha um impacto muitíssimo maior do que fazer um cartaz escrito “Use Camisinha” e colar na Unidade Básica de Saúde (UBS).