

Dados apontam que as adolescentes estão entre as principais vítimas desse tipo de violação
Quase metade das mulheres bissexuais brasileiras entrevistadas em um estudo realizado na PUC-RS afirmou ter sofrido violência sexual em suas relações íntimas. Ao todo, 46% das 1.976 pessoas ouvidas pela psicóloga Thaís Arnoud relataram esse tipo de abuso.
O levantamento faz parte da pesquisa de doutorado de Arnoud, em fase de desenvolvimento. A análise revelou ainda que 61,8% das participantes enfrentaram algum tipo de violência, sendo a mais comum a psicológica (61,7%), seguida pela física (24%) e patrimonial (10,5%).
Segundo Thaís Arnoud, é comum que, ao buscarem ajuda, mulheres bissexuais tenham sua identidade sexual apagada ou ignorada, especialmente quando relatam violências cometidas por homens, sendo lidas como heterossexuais. Esse “apagamento bissexual” dificulta a compreensão dos fatores de risco associados à violência e impede que essas mulheres recebam os cuidados adequados, além de gerar subnotificação no serviço público.
Outro fator que as afasta de receber cuidados é o estigma. Esse processo, conforme a pesquisadora aponta, leva à culpabilização e minimização das experiências de violência, com muitas das vítimas acreditando que “merecem” esses abusos por não se enquadrarem em padrões considerados “mais legítimos” pela sociedade em geral.
A ideia de que a bissexualidade seria um “privilégio”, por permitir relações com pessoas do gênero oposto, também é um problema, de acordo com Arnoud. “Dados internacionais já mostram que mulheres bissexuais em relacionamentos com homens apresentam piores indicadores de saúde mental e são mais vulneráveis à violência”, aponta.
A psicóloga explica que a maior parte dos casos de violência contra mulheres bissexuais têm características clássicas de misoginia e bifobia. 62,3% das entrevistadas de sua pesquisa relataram que seus parceiros ou parceiras já negaram ou questionaram sua orientação sexual, enquanto 62,9% disseram ter sido alvos de objetificação. “Isso muitas vezes está relacionado à expectativa de que suas identidades existam apenas para satisfazer o desejo do parceiro, uma percepção particularmente perigosa, porque contribui para o aumento dos casos de violência sexual.”
Não à toa, o Boletim Epidemiológico de Saúde da Mulher Brasileira, publicado em 2023, aponta que, entre a população LBT, são as mulheres bissexuais que mais sofrem violência sexual. Segundo o relatório, que analisou dados de violências interpessoais registradas no Sinan entre 2015 e 2021, 49,1% dos casos de violência contra mulheres bissexuais foram de natureza sexual. Entre mulheres lésbicas, trans e travestis, os índices foram de 24,7%, 18% e 0,9%, respectivamente.
Ainda de acordo com o relatório, a maioria dos casos de violência contra mulheres bissexuais é de agressões físicas (53,6%). A violência psicológica ocupa o terceiro lugar no ranking, com 35,9% de incidência. A violência patrimonial e a negligência somam 3,4% e 1,9% dos casos, respectivamente.
Arnoud destaca que as adolescentes bissexuais enfrentam um contexto particularmente hostil, já que a discriminação se intensifica por estarem em uma fase de desenvolvimento da identidade sexual, muitas vezes sem o apoio necessário para lidarem com os desafios que o período impõe.
Além de serem alvo de violência psicológica e social, essas jovens são frequentemente hipersexualizadas, o que agrava o risco de sofrerem violência sexual. O último Boletim Epidemiológico de Saúde da Mulher Brasileira aponta que 62,2% das mulheres bissexuais que registraram violência sexual eram adolescentes.
Em sua pesquisa de mestrado, Arnoud também dialogou com adolescentes bissexuais e ouviu que, além de lidarem com a violência física e sexual, essas meninas enfrentam barreiras para denunciar os abusos. A falta de suporte adequado e a discriminação institucionalizada em delegacias e serviços de saúde fazem com que a maioria delas se sinta desamparada, perpetuando o ciclo de abuso.
A pesquisadora chama atenção para o impacto devastador da violência sexual sobre a saúde mental dessas adolescentes. “Muitas relatam sentimentos de culpa, vergonha e isolamento, o que agrava quadros de ansiedade, depressão e ideação suicida”, cita.
Para Arnoud é crucial desenvolver estratégias de intervenção específicas para essa população, garantindo que as adolescentes bissexuais recebam apoio psicológico e social adequado para lidar com as múltiplas formas de violência que enfrentam. “Minha esperança é que esses dados nos ajudem a criar estratégias mais eficazes de promoção de saúde e direitos para essas mulheres.”