Met Gala: a festa das elites e os limites da representatividade
A cruel realidade é que, numa estrutura social piramidal, a estratificação se dá sempre entre um topo estreito e uma base cada vez mais larga
O PIB do mundo desfilou no tapete vermelho do baile de gala do Metropolitan Museum of Art (Met), no dia 13 de setembro. Uma instituição criada no século 19 para educar a emergente elite estadunidense e que hoje abriga um dos maiores e mais importantes acervos artísticos do mundo.
Um dos grandes mecenas e primeiro presidente do Conselho de Administração da instituição foi o banqueiro Robert Lehman (1891-1969), filantropo, colecionador de artes e dono de cavalos-de-corrida.
Se o sobrenome soa familiar, é porque o ilustrado Robert foi também presidente do Lehman Brothers. A gigante do sistema financeiro que brincou de multiplicar a fortuna dos muito ricos e quebrou em 2008, ajudando a arrastar milhões para a pobreza ao redor do mundo.
Por detrás de toda grande fortuna há um crime, já dizia Balzac, e o mesmo pode ser dito da incomensurável riqueza estocada no Met.
Todo ano, desde 1946, o famoso museu estadunidense recebe a elite econômica, cultural e política do país, que paga uma pequena fortuna — esse ano o convite custou cerca de R$ 183 mil reais — para levantar fundos para a instituição e, claro, dar pinta no “Oscar da moda”. É um espetáculo único de extravagância fashion e ostentação “com causa”, que rende cliques e notícias no mundo todo.
A novidade desta edição foi a grande repercussão do baile no meio político, especialmente à esquerda. A deputada nova-iorquina, Alexandria Ocasio-Cortez (conhecida como AOC), mulher latina crescida no bairro proletário do Bronx, levou a plateia ao delírio ao desfilar um modelito branco, no qual se lia em estilosas letras vermelhas: “tax the rich”, ou “taxem os ricos”, em português.
Parlamentares brasileiras, ativistas e até organizações nacionais do movimento LGBTI+ enalteceram o ato subversivo de AOC e a presença de pessoas negras e trans, que serviram beleza e diversidade no tapete vermelho.
Mas nem tudo foram flores. Nas imagens do evento, trabalhadores anônimos e mascarados contrastavam com celebridades radiantes e de rosto limpo. Um lembrete incômodo de como as regras e protocolos de saúde se aplicam de forma desigual e como a pandemia foi e é experimentada de maneira diferente pelos ricos e poderosos.
Kim Kardashian, num deslumbrante Balenciaga preto, que lhe cobria o corpo inteiro, fez a crítica mais mordaz ao evento. Desfilando fantasmagoricamente pelo tapete vermelho, era a personificação daqueles que se faziam presentes unicamente pela ausência: os mortos, que pairavam sobre o baile, e os incontáveis sujeitos sem-rosto e sem-nome que giram as engrenagens do luxo.
A empresária Kim Kardashian
Foto: Reprodução/InstagramÀ crítica de Kim, a internet reagiu com a sua típica enxurrada de memes. Essa é, afinal, a linguagem do desespero e do desconforto da geração “Z”, prima distante do riso nervoso diante de uma cena de terror.
Representatividade importa, e só não reconhece isso quem sempre se viu representado e cresceu sendo tratado como o paradigma universal do humano. Mas é também a mentira que contamos para nós mesmos e para os outros dizendo que há lugar para todos sob o sol e que nossa ascensão pessoal representa a elevação de toda uma coletividade.
A cruel realidade é que, numa estrutura social piramidal, a estratificação se dá sempre entre um topo estreito e uma base cada vez mais larga. O que faz com que as políticas de “inclusão” e “diversidade” tenham significados radicalmente distintos, a depender da nossa posição nessa estrutura.
Para alguns poucos, “inclusão” significa poder frequentar os grandes salões e efetivamente disputar espaços de poder institucional, prestígio e dinheiro. Para a esmagadora maioria, significa apenas sair da marginalidade para cair nos “app” de entregas, callcenters e sobreviver anonimamente numa economia de precariedade e exaustão.
A linha que separa a justa reivindicação por mais representação (ainda que sempre relativa) da glorificação de relações e símbolos de opressão é tênue. E é nesse fio estreito que nos equilibramos quando trazemos o MET Gala para a política dita “progressista”.
No Brasil, enquanto o baile nova-iorquino bombava, outro convescote das elites também ganhava atenção. Em São Paulo, um ex-Presidente, dois barões da mídia e outros seis homens brancos, ricos e poderosos se banqueteavam e riam na casa do mega especulador Naji Nahas (também à mesa) — que ganhou notoriedade após ser condenado por crimes contra a economia popular e o sistema financeiro.
O mais jovem deles imita um homem bronco falando de hemorroidas, pau-de-arara e da peruca do Ministro Fux. O punchline é que eles elegeram esse bronco para o mais alto cargo da República, e que a piada somos nós.
Perto do MET Gala, o jantar de Nahas é pobre, cafona, branquíssimo e heteronormativo, mas são ambos expressões de um elitismo atroz. A questão, me parece, é se queremos um lugar à mesa, em nome de uma justa representatividade, ou incendiar a sala de jantar.
Paulo Malvezzi
Co-fundador e editor da Diadorim. Advogado, bacharel em Direito pela Mackenzie e mestre em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Foi coordenador geral do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), assessor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional e assistente da Ouvidoria Geral da Defensoria Pública de SP.