Plano de saúde terá que indenizar paciente trans por exame ginecológico não liberado
Operadora Bradesco Saúde foi condenada a pagar R$ 10 mil por constranger o jornalista transmasculino Caê Vatiero
O Bradesco Saúde foi condenado a pagar uma indenização de R$ 10 mil ao jornalista Caê Vatiero, 24, por não liberar um exame ginecológico ao cliente, que é uma pessoa transmasculina. A decisão foi dada em 26 de setembro pelo juiz Paulo Guilherme Amaral Toledo, no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Nas palavras de Toledo, “o despreparo desta [operadora] e de seus prepostos em relação à condição pessoal do autor restaram evidentes e causaram a este transtornos que extrapolaram o dissabor do cotidiano, pois sua condição pessoal foi exposta publicamente e ele ainda permaneceu por várias horas à espera da realização de exame que deveria ter sido imediatamente autorizado”.
O processo já transitou em julgado e, por isso, não cabe mais recurso.
O episódio ocorreu em 18 de abril deste ano, quando Caê Vatiero viveu um dos momentos mais constrangedores de sua vida. Ele foi a uma clínica na Mooca, bairro da zona leste de São Paulo, onde quatro dias antes havia agendado os exames ginecológicos solicitados por sua médica. Chegando lá, o ultrassom de mamas foi prontamente liberado, mas a operadora não liberou o ultrassom transvaginal.
O jornalista lembra que a atendente da clínica tentou a liberação durante mais de duas horas, repetindo no telefone: “Ele é trans, ele é trans, ele é trans”.
“É um exame que por si só já é super invasivo, que pessoas transmasculinas, não binárias e homens trans deixam de fazer pelo constrangimento que a gente está suscetível a passar – e foi isso que eu passei”, conta Vatiero, em entrevista à Diadorim.
Ele tem os documentos retificados, ou seja, em seu RG consta “masculino” no campo “sexo”, e o despreparo da Bradesco Saúde para atender pessoas trans fez com que ele esperasse até as 14h, quando desistiu e resolveu pagar R$ 100 pelo exame particular.
Ao sair da clínica, o mal-estar do paciente foi tamanho que ele decidiu processar a empresa por danos morais. “Eu tive um direito médico negado. Processei porque eles me prejudicaram, prejudicaram minha saúde mental e eu tive que pagar no particular pra fazer um exame que eu tinha o direito de fazer pelo plano”, diz.
O jornalista destaca que não é o único a passar por situações constrangedoras em atendimentos de saúde. “Isso é muito recorrente com outras pessoas transmasculinas, então eu fiz questão de processar para que a gente pudesse abrir um precedente jurídico – mais um – validando nossos direitos enquanto pessoas trans, porque muitas vezes temos a medicina como algo que é contra nós, e não a nosso favor”.
‘Vitória coletiva’
À Diadorim o Bradesco Saúde disse que “não comenta casos levados à apreciação do poder judiciário”.
Segundo Caê Vatiero, a operadora entrou em contato com ele para entender o que aconteceu, mas nunca se desculpou pelos danos causados. “Em nenhum momento eles admitiram que eu tive o exame negado, então nunca falaram comigo no lugar de entender que deveriam melhorar o processo interno para que nenhuma pessoa trans passasse por isso de novo.”
O advogado especialista em direitos humanos Marcel Jeronymo sugere que outros pacientes com demandas similares acionem a ouvidoria do plano de saúde caso queiram resolver o caso extrajudicialmente, ou seja, sem recorrer à justiça. “Não tendo sucesso, imediatamente entrem na justiça tanto com uma obrigação de fazer quanto com uma ação por danos morais”, orienta.
Segundo ele, também é possível buscar uma condenação por transfobia, crime equiparado ao racismo pelo Supremo Tribunal Federal em 2019. “Na minha visão, a falta de qualidade do plano de saúde por não entender a realidade de uma pessoa trans pode, sim, gerar a transfobia como crime”, avalia.
Contudo, para comprovar o crime de transfobia, é preciso identificar a autoridade que está forçando a negativa dentro da estrutura do plano de saúde.