Parlamentares de diversas regiões do país querem criar o dia do orgulho heterossexual. Arte: João Menezes/Diadorim
LGBTIfobia

A LGBTfobia nos 17 PLs que criam o dia do orgulho heterossexual

Propostos de 2005 a 2022, dez projetos foram arquivados, um foi aprovado e seis estão em tramitação

São diversas as estratégias utilizadas por nossos adversários ao se contraporem à nossa visibilidade política, combatida por movimentos e governos conservadores, os quais propõem leis visando impedir o debate sobre questões de gênero e diversidade sexual nas escolas, dificultam nossa organização política e perseguem ativistas, não reconhecem a existência de pessoas transexuais e intersexuais, proíbem publicidade com pessoas LGBTQIA+ e o uso de linguagem neutra. Mais recentemente, pasmem, estão querendo proibir até apresentação de drag queens.

Como parte dessa ofensiva, propostas para a criação do Dia do Orgulho Heterossexual começaram a ser apresentadas em diversos países, a primeira delas nos Estados Unidos, em 1982. No Brasil, há quase duas décadas, parlamentares ligados às igrejas evangélicas vêm apresentando projetos de lei, em várias partes do país, com esse mesmo propósito.

Essas propostas, que podem parecer inusitadas em princípio, e de menor poder ofensivo, estão repletas de argumentos que expressam o ódio e o preconceito indisfarçáveis contra nossa comunidade. Elas desencadeiam discussões acaloradas sobre nossos direitos, uma vez que o objetivo desses PLs é criar um contraponto às celebrações do orgulho LGBTQIA+.

A pesquisa realizada examinou 17 PLs (dois apresentados no Congresso Nacional, sete nas Assembleias Legislativas da Bahia, do Ceará, do Distrito Federal, de São Paulo, da Paraíba e do Rio de Janeiro (2) e oito nas Câmaras Municipais de Belém, Cuiabá, Fortaleza, Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro (2) e Arraial do Cabo (RJ).

Protocolados entre 2005 e 2022, seus autores são todos homens (com exceção da deputada estadual fluminense Alana Passos), membros de igrejas evangélicas (exceto o vereador Carlos Bolsonaro, que é católico) e de partidos de centro-esquerda à direita.


PLAUTOR(A)PARTIDOANOLOCALSTATUS
01 294Carlos ApolinárioPDT2005Cidade de São Pauloarquivado
021672Eduardo CunhaMDB2011Câmara Federalarquivado
03267Ciro AlbuquerquePTC2011Fortalezaarquivado
041085Carlos BolsonaroPP2011Cidade do Rio de Janeiroarquivado
05026Fabrício VargasMDB2011Arraial do Caboaprovado
063254Fábio SilvaPR2014Estado do Rio de Janeiroarquivado
0721018Pastor IsidórioAVANTE2015Estado da Bahiaarquivado
08820Cezinha MadureiraPSD2015Estado de São Pauloarquivado
091269Jimmy Pereira e outrosPRTB2015Cidade do Rio de Janeiroarquivado
102391Sargento SilvanoPSD2017Belémarquivado
111813Rodrigo DelmassoPRB2017Distrito Federaltramitando
12925Pastor IsidórioAVANTE2019Câmara Federaltramitando
135119Alana PassosPSL2021Estado do Rio de Janeirotramitando
143324Wallber VirgolinoPATRIOTAS2021Estado da Paraíbatramitando
15519Ten. Coronel PacollaPATRIOTAS2021Cuiabáarquivado
16619Ronilson ReisPODEMOS2021Goiâniatramitando
1704André FernandesPL2022Estado do Cearátramitando

A iniciativa pioneira, proposta por Carlos Apolinário em 2005, chegou a ser aprovada pela Câmara Municipal de São Paulo, contando inclusive com o apoio do prefeito Gilberto Kassab, que pretendia sancioná-la, entretanto foi obrigado a vetá-la devido às inúmeras reações do movimento LGBTQIA+ e de outros movimentos sociais e políticos.

Já a segunda proposição, desta vez na Câmara Federal, foi proposta pelo deputado Eduardo Cunha em 2011, chegou a tramitar, mas foi arquivada em 2019. Entretanto, inspirado no político fluminense, o vereador Fabrício Vargas, de Arraial do Cabo (RJ), teve sua proposta aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito Wanderson Cardoso de Brito. Até o momento, foi o único projeto desse tipo que virou lei no país.

As iniciativas pioneiras acabaram inspirando outros parlamentares pelo Brasil, que definiram o terceiro domingo de dezembro como a melhor data para se comemorar o orgulho de ser heterossexual. Ainda tramitam PLs apresentados na Câmara Municipal de Goiânia, na Câmara Legislativa do Distrito Federal, nas Assembleias Legislativas do Ceará, do Rio de Janeiro e da Paraíba e o PL do deputado federal Pastor Isidório. 

Na análise de discurso realizada a partir das justificativas dos propositores, é notável a presença de críticas ao Estado e à sociedade, porque os parlamentares acreditam que as políticas destinadas às pessoas LGBTQIA+ e os direitos que reivindicam resultam em vantagens e privilégios indisponíveis ao restante da população, como se vê nestes trechos do PL apresentado por Carlos Apolinário: “acontece que os homossexuais não se satisfazem com o anonimato e para chamarem atenção começam a exigir direitos que sequer os heteros têm” e “os homossexuais se dizendo discriminados ou perseguidos estão tentando aprovar leis que na realidade concedem a eles verdadeiros privilégios”. 

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Como estratégia de desqualificação e difamação, esses parlamentares associam a luta política e a visibilidade social das pessoas LGBTQIA+ à promoção e ao estímulo à homossexualidade, promovendo pânicos morais e ainda nos acusando de praticar violência e discriminação contra pessoas que se opõem à igualdade de direitos motivadas por razões morais e religiosas.

Exemplo também de Carlos Apolinário: “Esta não é a prática que vem sendo adotada, pois preferem fazer estardalhaços em locais públicos, na internet, nos meios de comunicação e até em panfletos com objetivo de divulgar o homossexualismo, como se esta opção implicasse em algum privilégio”. 

Defendendo que a heterossexualidade está sob ataque (da mídia, “do politicamente correto” e da “ideologia gay”), colocam-se na posição de vítimas que precisam da proteção do Estado, alegando, como faz o Deputado Pastor Sargento Isidório (BA), que “se nada for feito em prol de nós, heterossexuais, muito em breve todos teremos vergonha de manifestar a natureza de DEUS, entenda-se HOMEM + MULHER = FILHOS”.

E como forma de reafirmar a heterocisnormatividade, fundamentam seus argumentos numa suposta complementaridade biológica entre homens e mulheres, citando passagens bíblicas para enfatizar a importância da família tradicional e dos valores morais. 

Do nosso lado, a intenção das ações de promoção do orgulho LGBTQIA+ é fazer um contraponto à ideia de vergonha e invisibilidade que caem sobre nós porque a heterossexualidade, ao ser definida como modelo de relação natural e divina, nos estigmatiza e nos marginaliza, colocando-nos numa situação de fragilidade social, política e econômica. Além disso, essas ações possuem um caráter de empoderamento que se opõem à ideia de inferiorização e segregação. 

Por isso, concluímos que as iniciativas dos parlamentares evangélicos distorcem a ideia de orgulho, uma vez que pessoas heterossexuais não têm suas vidas e histórias invisibilizadas, não sofrem preconceito ou discriminação por conta de sua orientação sexual e nem sofrem qualquer tipo de violência por conta dela. Além disso, esses PLs, ao relacionarem argumentos de base moral religiosa como justificativa para criar o dia do orgulho heterossexual, são uma afronta à laicidade do Estado que, em tese, deveria garantir tratamento jurídico igualitário a todas as pessoas.

Por fim, essas iniciativas expressam como as questões de gênero têm sido reinterpretadas e resinificadas por grupos conservadores, restando-nos a opção de estarmos em constante vigilância porque, invariavelmente, as ações políticas desses grupos conservadores representam retrocessos em nossos direitos.

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Cristiano Lucas Ferreira

Doutorando em Educação pela UNB, pesquisa a movimentação da bancada evangélica no campo da educação. Professor da rede pública de Brasília, foi coordenador da política de formação em Gênero e Sexualidade da SEDF e ativista LGBTQIA+ há 25 anos.

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