‘Eu, um Outro’: filme sobre homens trans chega às plataformas digitais
Depois de percorrer festivais nacionais e internacionais, o filme “Eu, um outro”, documentário que acompanha a vida de Thalles, Luca e Raul, três homens trans brasileiros, já está disponível em diversas plataformas digitais no Brasil.
O filme, que circulou em festivais como o Outfest Los Angeles 2020, o Melanin Pride Festival, o 52º Festival de Brasília do Cinema e o 27º Mix Brasil, também foi exibido e debatido em universidades estadunidenses.
A Agência Diadorim conversou com a diretora Silvia Godinho para saber mais sobre o processo de criação e a repercusão da obra, confira abaixo.
Agência Diadorim — De onde surgiu a ideia de fazer um documentário sobre esse tema?
Silvia Godinho — Em 2014, o depoimento de um homem trans dos Estados Unidos me chamou muita atenção na internet. Naquela época, não se falava no assunto tão abertamente como hoje, mas este rapaz documentou sua transição num vlog (blog de vídeos) e expôs sua intimidade de maneira muito corajosa. Eu fiquei muito intrigada, pensando como seria o dia a dia de um homem trans no Brasil, o país que mais mata essa população no mundo. Foi quando eu descobri que o homem trans é o indivíduo mais invisibilizado da sigla. Em seguida, conheci alguns homens trans de Belo Horizonte e propus a eles documentar a vida deles num filme. Minha intenção era criar um dispositivo de registro das vivências deles a fim de naturalizar a existência de corpos trans na vida em comunidade.
DIADORIM — Como você conheceu os protagonistas do filme?
GODINHO — Quando eu escrevi o projeto, eu buscava três personagens para o documentário porque eu queria mostrar realidades distintas no mesmo universo. O Raul foi o primeiro homem trans que eu conheci pessoalmente e está no projeto desde o início, em 2015. Nós fomos apresentados pela pesquisadora e professora Tatiana Carvalho Costa e, apesar do receio da exposição, ele acabou abraçando a ideia, entendendo que esse era um caminho para aumentar a visibilidade dos homens trans. Raul sempre foi um ativista das causas LGBTQIA+ e, principalmente, dos direitos das pessoas trans. Ele abriu sua vida pessoal para mim e me proporcionou um primeiro contato com a realidade das pessoas trans no Brasil. Quando outros dois personagens do projeto desistiram de participar por motivos pessoais, nós tivemos que refazer a pesquisa para encontrar novos personagens. Foi quando eu conheci o Thalles. Ele era outra referência do movimento LGBTQIA+ e tinha um perfil bem diferente do Raul. Eu passei seis meses convivendo com Raul e Thalles, até que eu precisava finalizar o filme e ainda não tinha o terceiro personagem. Foi quando a produtora Claudia-Glaucia Santos me apresentou o Luca. Ele já tinha um canal no Youtube, o Transdiário e falava abertamente sobre o assunto. Luca ainda não era tão conhecido como é hoje, mas já tinha uma boa visibilidade na comunidade trans por causa do conteúdo do seu canal. Claudia descobriu que ele era de Belo Horizonte, apesar de morar em São Paulo, mas ainda frequentava muito sua cidade natal por causa da família, dos amigos e de seus compromissos médicos. Ela então decidiu fazer o convite a ele, que foi super receptivo à ideia.
DIADORIM — Como foi a experiência de exibir esse documentário em festivais internacionais?
GODINHO — A presença do filme em festivais internacionais foi fundamental para dar visibilidade à obra. O filme foi exibido no mais importante festival LGBTQIAPN+ do mundo, que é o Outfest Los Angeles, e foi muito bem recebido pela curadoria e pelo público. São pouquíssimos os filmes sobre homens trans no mundo. Por esse motivo, o filme provocou muita curiosidade, principalmente por retratar uma realidade da América Latina. A primeira edição do evento ocorreu em março de 2020, poucos dias antes do lockdown, com a presença do Raul em Los Angeles. Cinco meses depois, em agosto, o filme foi convidado a retornar na edição seguinte do Outfest, que foi bem maior, mas, por causa das restrições impostas pela pandemia, acabou acontecendo online. Por ter sido virtual, a edição permitiu a ampla participação dos realizadores e a ampliação do público. Foi uma troca muito rica. A participação neste festival acabou gerando muitos convites para exibir o filme em outros festivais nos Estados Unidos e também em universidades. Tivemos a oportunidade de participar de vários debates por lá, foi uma experiência bem diferente. Por outro lado, o período de circulação do filme coincidiu com a pandemia, quando os festivais tiveram suas edições reduzidas. Alguns foram até cancelados. Isso prejudicou a circulação do filme no exterior. Mas ele foi muito bem no Brasil e nos Estados Unidos.
DIADORIM — O que os protagonistas acharam sobre a experiência de participar do documentário? O que acharam do resultado final?
GODINHO — Acho que eles ficaram orgulhosos. No início, acredito que tenha sido muito difícil para eles porque a gente passava muito tempo juntos e a exposição deles diante da câmera era muito grande. Aliás, muitos dos homens abordados na nossa pesquisa se recusaram a participar do documentário com esse receio. Mas, ao final de seis meses, a gente construiu uma relação de muita confiança mútua e eles ficaram super à vontade para contarem suas histórias. Foi uma troca de muito respeito e empatia, acho que eles também ficaram satisfeitos com o que viram na tela.