O presidente eleito, Luis Inácio Lula da Silva. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
O presidente eleito, Luis Inácio Lula da Silva. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
política

O que a população LGBTI+ pode esperar do governo Lula, após o desmonte de Bolsonaro

Eleição do petista abre possibilidade de mais diálogo com movimentos sociais

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a consequente derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputava a reeleição, marcam o início de uma transição entre governos com propostas muito diferentes para a população LGBTI+. O histórico de realizações do petista entre 2003 e 2010 indica uma tendência de mais diálogo com movimentos sociais, avaliam especialistas. No entanto, em seu terceiro mandato, Lula sucederá uma gestão que promoveu uma guinada conservadora e autoritária que deixará reflexos por muitos anos, o que torna incerto o espaço real que será destinado a políticas LGBTI+.

O histórico de declarações LGBTIfóbicas de Bolsonaro se refletiu na construção de seu programa de governo: o candidato derrotado não fez qualquer citação a pessoas LGBTI+ entre suas metas para um segundo mandato. Já Lula fez duas menções em seu plano, ainda que genéricas, a essa população, além de ter acenado a ela em diversos discursos ao longo da campanha.

A proximidade de Lula com o movimento LGBTI+ é histórica. Seu governo foi responsável por lançar, em 2008, a primeira Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais. O evento é considerado um marco para o movimento, já que incluiu, pela primeira vez, o planejamento de políticas públicas LGBTI+ na pauta oficial do governo.

Quase 12 anos depois de deixar o cargo, o petista reassume o posto com a promessa de avançar, sem explicar como, em temas como violência LGBTIfóbica, saúde integral, acesso ao mercado de trabalho, inclusão e permanência na educação — a campanha do petista desistiu de apresentar a versão final de seu programa de governo, como havia prometido.

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“Primeiro precisamos recuperar tudo que foi destruído pelo atual governo. A partir daí teremos muitos anos de trabalho para reconstruir a ideia de igualdade de gênero, de valorização da diversidade sexual e de gênero e de reconhecimento de direitos”, avalia Jaqueline Gomes de Jesus, professora doutora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e presidente da Associação Brasileira de Estudos da Trans-Homocultura (ABETH). 

A gestão Bolsonaro, diz Jaqueline, trabalhou para desmontar estruturas de participação e controle social, minando a atuação de movimentos em instâncias oficiais. “Já no governo Lula houve todo um histórico de compreensão da ideia de participação dos movimentos sociais. Mesmo que muitas políticas públicas não tenham sido colocadas em prática, elas mostraram a potência desse governo em termos de articulação e de participação”, explica a professora.

Para Marcos Melo, gerente de campanhas da organização All Out, o ponto-chave para entender a transição da pauta LGBTI+ entre os governos Bolsonaro e Lula é a abertura para o diálogo. “A gente tem um governo em que não existe nenhum interesse de diálogo com a comunidade LGBT. Ao longo da campanha de Lula, a gente viu uma disponibilidade, um interesse em fazer esse diálogo”, argumenta.

Para além da violência

Diante da falta de políticas públicas aprofundadas nos planos de governo dos presidenciáveis, a All Out, em conjunto com outras cinco entidades ligadas à população LGBTI+, lançou durante a campanha uma lista com 23 sugestões de medidas a serem adotadas pelo próximo ocupante do Palácio do Planalto.

Entre as propostas estão o estabelecimento de cotas para pessoas trans e travestis em universidades e concursos públicos, a criação de um programa de moradia popular para pessoas LGBTI+ em situação de vulnerabilidade, a aplicação de um projeto de educação sexual inclusiva nas escolas e a implementação de ambulatórios especializados em todos os estados. Cerca de 17 mil pessoas assinaram a campanha pela adoção das ações.

Em seu levantamento, a All Out e organizações parceiras observaram que, entre as poucas propostas dos presidenciáveis para a comunidade, a maioria estava limitada à área de segurança pública. Para Melo, é preciso avançar nesse debate, formulando políticas públicas que contemplem todas as suas necessidades. “É como se você sempre colocasse a pessoa LGBT como um alvo, como a pessoa que vai ser morta. Tem que se preocupar com isso também, mas e a saúde, a educação, as oportunidades de emprego?”, questiona.

Em junho, a recém-eleita deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) cobrou posicionamentos mais claros de Lula sobre suas propostas de políticas LGBTI+, temendo que essa população acabasse sendo escanteada. “Não aceitaremos ser tratadas como cidadãs de segunda classe ou como temas sensíveis, morais, polêmicos, quando estamos falando da nossa vida, da nossa dignidade e da nossa cidadania”, declarou em entrevista à revista “Carta Capital”.

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Passadas as eleições, seguem as dúvidas sobre a disposição do petista para retomar a pauta LGBTI+ com o vigor necessário, especialmente após costurar acordos com setores ao centro e à direita para derrotar Bolsonaro. “Estamos falando de um presidente que vem de uma determinada base histórica. Mas não é porque temos um governo mais aberto que será tudo mais fácil. Os movimentos sociais, as entidades têm que estar muito engajadas”, analisa Jaqueline.

Para a professora, entre as ações prioritárias para a população LGBTI+ nos próximos anos estão a realização de um censo do grupo, produzindo dados para subsidiar ações, além da promoção de políticas de trabalho e renda. “É fundamental que as políticas públicas sejam interseccionadas. Que todas as políticas de trabalho, educação, saúde e habitação considerem a diversidade da população brasileira, incluindo sua diversidade sexual e de gênero”, afirma.

A mudança de presidência, contudo, não anula imediatamente o legado de posturas LGBTIfóbicas de Bolsonaro, que devem continuar ecoando, diz Melo: “O presidente é a voz do país. Se a pessoa que é a referência está dando esse ‘passe livre’, as outras se sentem no direito de atuar de forma semelhante. Mesmo mudando a Presidência, a mensagem que foi passada por Bolsonaro não é algo que vai ser derrubado da noite para o dia”.

“É necessário não baixar a guarda, articular de dentro do governo, não entendendo que essas pautas são externas ou que são um favor a ser feito. Teremos muito trabalho”, conclui Jaqueline.

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