Em São Paulo, voto em LGBTs está concentrado nos bairros ricos e centrais
Vereadores eleitos em 2020 na capital paulista ganham mais votos nas regiões com alto IDH, como mostra levantamento da Diadorim
As eleições municipais de 2020 foram um marco para a representatividade LGBTI+ na política de São Paulo. Ao todo, quatro vereadores e duas covereadoras que fazem parte desta população entraram para a Câmara Municipal — número seis vezes maior do que o de 2016, quando apenas Fernando Holiday, gay, até então filiado ao DEM, foi eleito com 48.055 votos.
Com a proximidade de uma nova disputa eleitoral, agora para legislaturas estaduais e federais, governo, Senado e Presidência, partidos começam a traçar planos de campanha a fim de garantir apoios. Em São Paulo — estado com o maior número de LGBTIs pré-candidatos em 2022 (11, no total), segundo mapeamento desenvolvido pela Aliança Nacional LGBTI+ –, duas perguntas a serem levadas em consideração são de onde saem votos em LGBTIs e qual o perfil de seus eleitores.
A julgar pelos resultados de 2020, na capital paulista, esse eleitorado está concentrado sobretudo nas regiões centrais, ricas e com alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), como mostra um levantamento feito pela Agência Diadorim, com base nos dados do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) e do Atlas Municipal.
Candidatos eleitos em 2020
Há dois anos, 50 candidatos assumidamente LGBTIs concorreram a vagas de vereadores em São Paulo, de acordo com uma pesquisa feita pelo Núcleo de Sociologia, Gênero e Sexualidade da USP (NÓS). Entre os que ganharam, estão três dos 10 mais votados daquele ano: Holiday (à época no Patriota, e agora no Novo), reeleito com mais 67 mil votos; Erika Hilton (Psol), travesti, com cerca de 50 mil; e Thammy Miranda (então PL, agora sem partido), transexual, com aproximadamente 43 mil.
Além deles, foram eleitas também Luana Alves (Psol), bissexual, com mais de 37 mil votos, e as covereadoras travestis Carolina Iara (Psol), da Bancada Feminista do Psol, com 46 mil votos, e Samara Sosthenes (Psol), do Quilombo Periférico, com quase 23 mil.
(Por estarem mandatos coletivos, as covereadoras Carolina Iara e Samara Sosthenes não estão incluídas na análise feita pela Diadorim — já que a votação de coletivos também é influenciada pelos perfis das demais integrantes.)
Ao observar o resultado das urnas, levando em consideração as cinco zonas eleitorais onde tiveram mais votos e as cinco onde tiveram menos votos, é possível notar que a maioria dos eleitores desses vereadores LGBTI+ vivem em bairros centrais e ricos da capital paulista.
Confira os dados do levantamento:
Mulher mais votada em 2020, em São Paulo, a vereadora Erika Hilton é quem teve um dos mais emblemáticos perfis eleitorais. A parlamentar recebeu suas maiores votações — em números absolutos — nas zonas eleitorais de Perdizes, Bela Vista, Vila Mariana, Pinheiros e Rio Pequeno (que inclui o bairro do Butantã, onde fica o campus da USP). Ao mesmo tempo, teve os piores resultados em zonas como São Miguel Paulista, Jaraguá, Conjunto Teotônio Vilela (no distrito de Jardim Helena), Teotônio Vilela (no distrito de Sapopemba) e Vila Jacuí — todos localizados na periferia da cidade.
A média do índice de desenvolvimento das cinco zonas em que Erika Hilton recebeu sua maior votação é de 0,93 — quanto mais próximo de 1,0 maior IDH. Já a média das cinco zonas onde ela recebeu menor votação é de 0,78.
Pré-candidata a deputada federal em 2022, Hilton foi procurada pela reportagem da Diadorim ao longo de duas semanas para comentar o resultado da última eleição e sobre suas perspectivas de campanha, mas não respondeu a entrevista.
O perfil de eleitores de Hilton é o que mais se assemelha ao do vereador Fernando Holiday: nas cinco zonas onde ele teve mais votos, a média do IDH é de 0,92, e nas cinco zonas com menos votação, o número chega a 0,78.
Em nota enviada à reportagem, Holiday afirma que as pessoas que o elegeram “necessariamente não o fez por conta das pautas LGBT”, já que as principais pautas de sua legislatura são “o liberalismo, o combate às cotas raciais e o combate à corrupção”. Entretanto, acrescenta o vereador, seu mandato propôs ações voltadas a essa população, como “prestar apoio psicológico aos LGBTs que se automutilam ou tentam sucídio” e “buscar mecanismos de combate a Aids e prevenção a DSTs”.
“A maioria dos votos do vereador veio do público que acredita na renovação política, liberais e pessoas que estavam fartas da velha política”, finaliza o texto.
Já no caso de Thammy Miranda, há um certo equilíbrio: a média de IDH é de 0,85 nas zonas em que ele foi mais votado, e de 0,84 onde foi menos votado. O vereador não atendeu aos pedidos de entrevista da Diadorim para comentar o tema.
Voto concentrado
“Observando os dados, podemos dizer que as candidaturas de esquerda [todas associadas ao Psol] foram mais bem votadas nas áreas centrais da cidade, onde o perfil da população é bastante branco, feminino e jovem”, explica o sociólogo João Filipe Cruz, doutorando em Sociologia pela USP e um dos autores da pesquisa do NÓS.
Apesar da leve diferença, a questão econômica se assemelha na eleição dos dois representantes da política conservadora. “Fernando Holiday e Thammy Miranda, embora sejam candidatos muito distintos, têm um fator em comum: o capital político deles não é atrelado à defesa dos direitos LGBTI+. Ambos se apresentaram, por seus partidos, como candidaturas viáveis”, detalha Cruz. Ele se refere ao fato de Holiday já ser conhecido e já ocupar o cargo na Câmara e de Miranda ter viabilidade graças à exposição midiática.
Para o pesquisador, um dos fatores que influencia na eleição dessas pessoas e no alcance dessas candidaturas é o investimento em campanha eleitoral . “A questão do financiamento vai influenciar a capacidade de penetração das candidaturas em regiões mais periféricas da cidade”, alerta o sociólogo. “Se a gente olhar para as seis candidaturas LGBTI+ que foram eleitas em 2020, todas elas tiveram mais de 90 mil a para realizar a campanha.”.
No ranking de custos da eleição, Thammy Miranda é quem lidera, somando R$ 179 mil. Em seguida, está Fernando Holiday, com R$ 158 mil. Luana Alves e Erika Hilton investiram, respectivamente, R$ 110 mil e R$ 97 mil.
Quanto mais dinheiro investido em campanha, maior é impacto da “visibilidade e do alcance das candidaturas”, frisa João Filipe Cruz.
Entrave financeiro
Para a vereadora Luana Alves, o financiamento é, sim, um desafio, principalmente pela necessidade de aumentar a abrangência territorial da campanha. “Nossa campanha tem um financiamento baixo. A gente quis rodar a cidade, e rodamos o quanto pudemos, mas muito menos do que gostaríamos”, conta.
Para contornar essas limitações e conseguir dialogar com o maior número possíveis eleitores, “as estratégias têm muito a ver com a militância que a gente já tem no movimento LGBTI+”, explica Luana. Uma das formas de ampliar as redes, afirma a vereadora, é criar relação com coletivos e grupos e participar de eventos da própria comunidade.
“É possível atrair e manter outros grupos engajados”, explica ela, já que seu programa parlamentar “tem a ver com a defesa de todas as vidas, em especial a defesa das vidas vulneráveis” — que inclui, além de LGBTIs, a população negra, a classe trabalhadora e as mães solo, por exemplo. “O mesmo patriarcado que massacra uma mãe solo é um patriarcado que também origina uma LGBTfobia.”
Mudanças de perfil
Na opinião do sociólogo João Filipe Cruz, a tendência das candidaturas LGBTI+ é ganhar mais espaços – e conquistar mais vitórias – apesar do preconceito que persiste na estrutura dos próprios partidos políticos. As siglas, afirma Cruz, ainda tendem a apostar o financiamento em figuras que estão alinhadas ao padrão de “político tradicional” — “homens brancos cis e heterossexuais”, explica o pesquisador.
Na última eleição, no entanto, destaca ele, as regras do Fundo Eleitoral foram decisivas para mudanças já perceptíveis, graças à cota mínima e obrigatória para a campanha de mulheres e de pessoas negras. Como as candidaturas LGBTI+ são na maioria, interseccionais, uma mulher trans e negra pode se beneficiar.
Para Cruz, até as eleições de 2014, as candidaturas LGBTI+ eram também, em sua maioria, de homens gays e “o perfil dessas candidaturas não destoava tanto do perfil do chamado político profissional”. A partir de 2016, o cenário começou a se alterar no Brasil, chegando, em 2020, a 502 candidatos LGBTI+ concorrendo a pleitos municipais — 294 deles, pessoas trans, o que representava mais 50% das candidaturas. “Foi a primeira vez que as candidaturas trans compuseram a maioria, sendo que travestis e mulheres e homens trans foram eleitas e eleitos, em diversas cidades com votações históricas”, completa o pesquisador.