A quem interessa o jogo da representatividade no Big Brother Brasil
Nova temporada do maior reality show da TV aberta brasileira já começou com discussão sobre temas da população LGBTI+; debate não se limita ao jogo
O Big Brother Brasil 21 entrou no ar na última segunda-feira (25) reunindo um elenco mais diverso do que nas edições anteriores do programa. Com mais negros e participantes que se autodeclaram LGBTI+, em menos de uma semana a casa e o público já discutiram temas que vão de racismo e transfobia – mesmo sem a participação de pessoas trans na edição –, a “gays histéricos”.
Seja nas redes sociais ou na dinâmica do jogo, a discussão sobre temas da população LGBTI+ no reality não é novidade da temporada atual. Há duas décadas no ar, o Big Brother já teve um homossexual assumido campeão de uma edição (Jean Wyllys, no BBB 5) e já deu o prêmio a uma bissexual que se relacionou com uma mulher dentro da casa (Vanessa Mesquita, no BBB 14).
Entre os ex-participantes do programa também há uma drag queen (Dicesar Ferreira, no BBB 10), um participante assexual (Victor Hugo, no BBB 20) e uma mulher trans (Ariadna Arantes, no BBB 11).
Mas mal o BBB 21 começou, e a presença de concorrentes LGBTI+ sugere que muitas pautas externas ao jogo vão ganhar espaço. Nas redes, já há até um suposto print do perfil de Gilberto Nogueira no aplicativo Grindr. Sem o nome do participante, a imagem traz uma foto do economista com a descrição ‘ativo comedor’, levantando um debate sobre o papel de gays afeminados na hora do sexo.
Essa representatividade importa?
Para o professor e pesquisador Iran Ferreira de Melo, por ser um produto de uma empresa privada, o jogo de representatividades que a Globo eventualmente propõe no BBB atende a lógica comercial envolvida no reality, um dos campeões de faturamento da TV brasileira há vários anos. Em 2021, o plano publicitário da atração prevê que contratos de patrocínio fixo rendam, ao todo, R$ 470 milhões.
“Essa representatividade é importante e apenas um passo. Importa analisar a qualidade dessa ocupação de espaço, como esse discurso é realizado dentro do programa. Mas é preciso ter em mente que essas pessoas muitas vezes são colocadas como uma ‘cota de democracia’ no elenco”, explica Melo.
Para o pesquisador, a participação de Ariadna – a primeira eliminada do BBB 11, há dez anos, e até hoje a única mulher trans que passou pela casa –, foi marcada pelo que ele chama de “fetichização” da participante. Na ocasião, a Globo tentou criar um certo mistério sobre o passado da então cabeleireira, que só revelou a poucos colegas de confinamento suas vivências enquanto mulher transexual. Para os demais brothers, Ariadna só falou abertamente quando se despedia da casa após o paredão.
Melo, no entanto, reconhece que a participação de pessoas que assumem identidades não dominantes possibilita formas diferentes de representação na TV. “As pessoas olham de forma emotiva para o BBB. Quando um participante LGBTI+ recebe um telefonema dos pais ou quando ele sai do programa e a família e os amigos estão esperando por essa pessoa do lado de fora da casa, isso pode gerar um impacto em famílias que rejeitam seus filhos ou parentes”, observa.
Enquanto isso, a dinâmica de empatia que o game possibilita permite que o público possa acompanhar essas pessoas nas redes sociais depois que o programa acaba – o que prolonga o tempo de exposição desses participantes e, consequentemente, continua dando visibilidade para as discussões iniciadas durante o jogo.
Quem chegou primeiro
Sem levantar a pauta na casa, na primeira temporada do programa, em 2001, o cantor André Gabeh, gay assumido, ocupava esse espaço no horário nobre da TV Globo. Em uma época em que a emissora ainda nem havia mostrado um beijo entre pessoas do mesmo sexo nas suas telenovelas, Gabeh ficou entre os finalistas da edição e terminou em terceiro lugar.
Em 2010, em entrevista ao jornal carioca Extra, ele justificou porque não quis usar o espaço para empunhar uma bandeira. “Não ia deixar que colocassem uma placa no meu pescoço. Não tenho o que esconder, mas gosto de me preservar”, disse.
Depois da casa, Gabeh ainda manteve um canal aberto com a emissora: chegou a gravar um álbum pela Som Livre e emplacou música em trilha de novelas da casa. Recentemente, afirmou que já foi chamado para voltar ao programa, mas recusou o convite.
Desfile de homens maquiados
Primeira grande discussão do BBB 21, a transfobia entrou na casa e já fez até alguns participantes chorarem – Caio Afiune, um dos envolvidos, chegou a ameaçar abandonar o jogo. Um desfile feito pelos homens, a maioria heterossexual, com maquiagem no rosto e performando trejeitos femininos chamou a atenção da psicóloga Lumena Aleluia, lésbica e participante do reality, que não gostou da atitude.
“Pessoas se maquiam para serem reconhecidas, é algo muito sério, não é apenas uma brincadeira, é identitário. Sua brincadeira, em mim, tocou em um lugar muito violento. Eu sei que você não sabe, porque eu sei que você não tem amiga trans ou travesti, então você nunca ouviu o que eu ouvi. O que você brincou hoje, para outras pessoas e outros grupos, o nome é violência”, falou Aleluia, na ocasião.
Para Nai Monteiro, homem trans não-binário e pesquisador do NuQueer (Núcleo de Estudos Queer Decolonial) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), o debate é semelhante ao que ocorreu quando o aplicativo FaceApp se popularizou no Brasil ao apresentar aos usuários como seria seu se você tivesse o gênero oposto.
“O aplicativo na época também foi acusado de transfobia, mas, semelhante ao que ocorreu no BBB, não sei até que ponto isso é só transfobia ou até que ponto isso é chacota com a mulheridade. Performar pode ser encarado também como uma experiência”, explica.
Ter levantado essa discussão também gerou críticas para Lumena nas redes sociais, o que para Nai revela uma faceta do racismo, um dos temas em discussão nesta temporada. “Na edição passada, a participante Marcela, que é branca, era chamada de fada sensata pelo público por causa de seus posicionamentos. Já Lumena, que é uma mulher preta, não recebe o mesmo tratamento do público do programa”, observa.
Além disso, para o pesquisador, que desenvolve uma pesquisa de mestrado sobre o Grindr, a discussão sobre as preferências de Gilberto também são um indicativo de preconceito, mas de um assunto que existe até mesmo entre os gays.
“Gilberto é um corpo dissidente. Ele se posiciona na casa como um ‘corpo bicha’, e por isso aqui fora já foi chamado de gay caricato e gay forçado. O fato de ser ativo no momento do sexo incomodou as pessoas, que acham que um gay afeminado não pode ocupar o espaço de ativo comedor”, opina.